MUNDO DESENCONTRADO
Al
Sento-me sobre o assento branco e vejo o dia pálido chegar ao fim. “Mais um dia”, penso com meus laços de mulher. Dia derradeiro, pra dizer a verdade. Acendo meu cigarro com o último fósforo que restou na caixinha. Será uma coincidência? Último fósforo, último dia. A fumaça faz o caminho de sempre, fico observando para ver se ela chega onde quero e manda um recado de urgência. Mas ela se esvai antes de alcançar a primeira janela. Tentativa frustrada. Continuo a tragar aquelas baforadas solitárias, passo minha mão direita no assento logo ao lado. Está vazio. Não sinto nada no tato, só no peito, que bate mais rápido agora. É como se já pressentisse a ausência de todos os dias. Retiro ligeiro a mão direita da ausência, tento parar de pensar, fecho os olhos. Inevitável a imagem que me vem à mente: a de tantas tardes em que sentamos aqui, bem aqui, e nos achamos no olhar. Foi quando, sem querer, me enlacei em tuas palavras. Quantas vezes desejei tua boca nesse pedacinho de mundo feito de fumaça e esperança. Quantas vezes desejei pegar na tua mão e sair correndo daqui, para um lugar bem longe. Quantas vezes me segurei para não rasgar a tua roupa e sanar meus desejos mais intensos, aqui mesmo nesse banco branco. Outras vezes tive vontade de sair correndo sozinha, deixar-te perdido nos teus monólogos. Mas sucumbi sempre ao encanto de estar junto. Abro os olhos agora e estou sozinha ainda. Tudo continua igual. O banco, as janelas fechadas, final de expediente, despedidas casuais, cumprimentos com a mão, pensamentos levianos. Só o café que acabou, o cigarro que apagou e você que fechou as janelas e saiu caminhando pela porta da frente, levando os fragmentos de um tempo. O resto, tudo igualzinho, o mundo correndo bem devagarinho, sem graça, turvo, estúpido, quase mudo, desencontrado.
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