CRIANÇAS DE HOJE
Marsal Sanches
Naquela tarde, Júlio havia chegado em casa entusiasmado. Um beijo rápido na esposa e, mãos às costas, virou-se para os filhos:
-Adivinhem o que o Papai trouxe!
Os olhos dos dois pequenos cresceram. Seis anos um, sete anos o outro. Não era aniversário, nem Natal, nem Dia da Criança. O pai não costumava dar presente fora de data. Com o coração aos pulos, um ainda
conseguiu arriscar:
- É aquele robô novo, de controle remoto?
Não era um robô. Sorrindo, Júlio trouxe as mãos à frente:
-Aqui está. Um catavento para cada um.
Com uma vareta de bambu como cabo, os cataventos eram feitos de cartolina pintada. Os meninos murcharam como uma laranja ao ser espremida:
-Cata-o-quê?
- Catavento. É um brinquedo muito bacana. Vejam só, quando o vento bate, as folhas giram. E as cores se misturam. Eu colecionava cataventos quando tinha a idade de vocês.
Sem muita empolgação, os meninos pegaram os brinquedos. Agradeceram, a contragosto. E correram para o quarto. Júlio meneou a cabeça:
-Você vê que coisa? As crianças de hoje não sabem mais brincar. E só videogame, computador. Quando o cara passou vendendo isto aqui, eu achei que eles iriam adorar. Até arrisquei abrir o vidro, no cruzamento da Rebouças com a Avenida Brasil.
A mulher franziu a testa. Os filhos moravam naquele apartamento, no décimo andar, desde que se conheciam por gente. As janelas ficavam quase o tempo todo fechadas, por causa do barulho dos carros.
-Dê um desconto para eles, Júlio. Aqui não tem vento. Quando é que eles vão ver o catavento girar?
O marido fingiu não ouvir, e prosseguiu em seu discurso inflamado. O filho do Ariovaldo, do escritório, não sabia o que era um pião. Uma outra criança, ele não lembrava de quem, nunca tinha visto uma laranjeira na vida. Na primeira vez em que viu uma, achou que fosse uma árvore qualquer, com um monte de bolinhas penduradas. Ah, que diferença quando ele era criança. Subir em árvores, cavalo-de-pau, pega-pega, esconde-esconde... até mesmo amarelinha, que ele achava brincadeira de menina, mas acabava jogando de vez em quando. Bons tempos...
O jantar transcorreu em um clima de velório. Júlio, de cara fechada. As crianças, sem muita fome. A mulher, com os olhos baixos, voltados para o prato.
Estava decidida a conversar com os filhos logo depois do jantar. Se falasse com jeito, os dois iriam entender. Seria só eles chegarem para o pai e dizerem que haviam gostado muito do presente, que não tinham demonstrado isso antes porque haviam sido pegos de surpresa, não estavam familiarizados com o brinquedo, etc, etc.
Não foi preciso. Logo após a sobremesa, as duas crianças pareceram adivinhar as intenções da mãe:
-Papai, muito obrigado. O presente é muito legal. Era esse tipo de coisa que a gente estava querendo! Obrigado! Obrigado!
Júlio abraçou os dois. A mulher derramou algumas lágrimas que conseguiu, discretamente, enxugar. Aqueles eram seus filhos. Crianças sensíveis. Estavam sendo criados na selva de pedra, mas isso não endurecera seus corações. Que bom! Os quatro eram novamente uma família unida e feliz.
Depois da reconciliação, os meninos foram para o quarto. Dali a pouco, seria hora de dormir. Na verdade, não tinham entendido muito bem a reação do pai e da mãe.
Haviam agradecido de forma sincera. Era realmente o que estavam precisando ganhar. Os joysticks, as pequenas alavancas do videogame, estavam ficando meio gastos, após vários meses de uso. Aquelas varetas de bambu dos cataventos encaixavam perfeitamente sobre eles. Davam até mais firmeza para as manobras, em alguns jogos mais ousados.
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