HISTÓRIAS
AO VENTO
Marco Brito
Venham! Aproximem-se deste preto velho, meus meninos! Sentem-se ao meu redor para que possam aquecer meus ossos já cansados da friagem desta noite. Venham ouvir as histórias que tenho para contar-lhes....
Há muito e muito tempo atrás. Quando, no verão, as estradas, de chão nu, e o horizonte, eram cobertos por uma cortina de poeira da cor do cobre polido e, no inverno, o vento inclemente incumbia-se de enterrar todo o vale num manto espesso de neve, deixando tudo que a vista pudesse alcançar impregnado da sua frieza de morte... Naquele tempo, coisas abomináveis aconteceram aqui.
Numa ocasião daquelas, de início do Grande Frio, chegou às nossas terras o Terror. Junto com os primeiros raios de sol, um estrondo sinistro ecoou pelos ares,causado pelo tropel de patas de cavalos. Nunca se soube quantos eram. Soube-se depois que eram muitos, e mais ainda com o passar do tempo e das bocas por onde se conta essa estória.
A aldeia não havia ainda despertado de todo e poucas eram as chaminés que cuspiam fogo renovado. Raros cães vagueavam pelo lamaçal antes de serem escorraçados por corcéis negros – há quem diga que eram todos negros – invadindo a praça e trazendo nos seus lombos, demônios brandindo espadas de fogo. Cavaleiros bárbaros, encapuzados e em vestes de couro, irromperam pelas vielas manejando suas armas e enchendo de dor, morte e sangue aquela manhã. Portas de casas vieram abaixo e crianças foram retiradas à força dos braços de suas mães. Os homens da cidade estavam nas montanhas altas caçando os últimos veados e lebres que ousavam desafiar o vento gélido. Os mais jovens e os mais velhos não conseguiram empunhar as armas para a defesa e foram vítimas fáceis dos algozes mascarados.
Ao fim de algumas horas, com as crianças amontoadas num carroção, o Terror deu como encerrada sua incursão e pôs-se a retornar ao covil.
Neste instante, Uchoa,a eleita para mulher de Krull - chefe da tribo e guerreiro temido – tomou a ação.Do alto da ruma partiu das suas mãos a primeira flecha. A seta cortou o espaço e com um silvo de morte atravessou o coração da Fera mais próxima. A criatura, enquanto sentia sua alma fugir-lhe pela boca, ouviu o rugido de ódio saído da garganta de Uchoa. Todo o vale tremeu.
O segundo dardo, saindo tão ligeiro quanto o primeiro, alcançou outro corpo ceifando uma vez mais outra manifestação do Mal. E mais uma,e mais uma.... até que os seres a avistaram. Rugiram ao encarar a personificação das suas mortes.
Rugiram mais alto, e com mais dor, quando surgindo das sombras, mais mulheres, capitaneadas por Ukraláh, a bruxa, vieram beber da taça da desforra... Caíram todos! Um após outro, todas a Feras foram devolvidas ao pó.
Ao cair da noite,a região fora inundada pelas trevas. Fogueiras foram acessas e seus lumes chegaram até os homens da aldeia. Estes, antes de chegarem, perceberam o rastro da destruição. Não encontraram apenas o choro de morte, mas também o lamento do vento nas pás do zingamocho...
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