PAIXÃO
Ly Sabas

Não havia nenhum motivo para que não comparecesse ao encontro. Nenhum e vários. E essa incerteza a incomodava mais que o vento cortante que fustigava a pele fina do seu rosto, enquanto caminhava procurando aprisionar o calor do mantô. Seguia com cuidado por entre os poucos arbustos, guiando-se pelo som metálico trazido em torvelinho junto com a poeira. Jurara que não iria, esse era um dos vários motivos. Mas como poderia controlar o próprio corpo que ardia em volúpia apaixonada? Seus pés seriam capazes de seguirem sozinhos através da charneca, sem nenhum comando seu. Por mais que sua mente implorasse que desse meia volta, o coração surdamente impulsionava-lhe o corpo. Era movido pela urgência de sentir-se acariciado juntamente com os seios, que intumescidos doíam em contato com o tecido grosso.

Parou ofegante. Na paisagem árida só o catavento imponente imperava. Há muito o riacho secara e as pás rodavam em sua cantilena inútil. Com os olhos da alma reviu o lugar em sua beleza original. E sentindo o perfume de terra úmida dirigiu-se em passos miúdos, quase flutuantes, para a entrada do seu antigo ninho. 

Ele já estava lá. Sorriso cínico no, ainda belo, rosto. O tempo fora seu cúmplice; poderia jurar que não envelhecera os mesmos dez anos que ela. E os olhos penetrantes que a despiam com a malícia distante, como podiam manter o antigo brilho? Parada a poucos passos dele, não tinha idéia da visão maravilhosa que proporcionava iluminada por um raio de sol fugidio entre as tábuas. O nervosismo que agitava seu corpo, entreabria o agasalho deixando à mostra o decote ondulante. E, inebriado, ele também pensava sobre a generosidade do tempo. 

Continuaram devorando-se sem palavras. Ela tentando aniquilar as razões da separação que fervilhavam em seu cérebro, ferozmente defendendo o direito de voltar a pulsar de paixão. Ele acompanhando a angústia da luta em seu corpo trêmulo e, ávido, vagarosamente anulando a distância. 

O feno continuava macio como antes, assim como suas bocas ainda eram vorazes. Embalados pelos gemidos do velho catavento esqueceram dos motivos que os separavam.

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