APELO SENTIMENTAL
Edison Veiga Junior
(Naquela quarta-feira fatídica, depois dos poréns e dos entretantos, nada mais me faltava acontecer. Tanto que quando cheguei à aula de italiano:
- Ciao, Edison. Buona sera!
Meu ímpeto foi entender a costumeira saudação como uma despedida, dar meia-volta volver e zum! – zarpar feito vento de volta para o infinito donde vim. Mas não:
- Buona sera professoressa. Come stai?
- Beníssima, grazie. E tu?
- Bene, professoressa, bene. Soltanto um poco stanco, io credo...
Mas me faltava a firmeza e o brilho no olhar. Estava velho, nem reflexo no espelho tinha mais e meu peito arfava feito solilóquio doente.)
***
Trago as coisas belas no olhar: o brilho e a incompletude efêmera do teu sorriso preso em minhas retinas e o jeito triste de meu ser conduzindo-nos à imperfeição de errarmos sempre.
Mas onde estás quando minha lembrança te persegue e carrego a tua simples essência abstrata tatuada indelevelmente em minha alma? Éter... Eterno? Não interessa: só o que resta é a neblina, a opacidade do já-foi, permeado de todavias e contudos.
Acendo um cigarro inexistente só pra parir a chama outrora quente que nos unia. Chama? Quem me chama se agora o que ouço é o silêncio renitente de tua voz?
Palavra. Palavra. Palavra.
Vá pra lá, palavra, que quero escrever. Pois é pedra me atrapalhando intrépida. Abracadabrando, preteia o prévio clarão negro substrato. Palavra: prato trêmulo trincado e truncado de atrasos e tropeços. Apresento meus segredos, agrido e desagrado pois sou degredo frio e degradado. Desajeitado também.
Meus olhos agora vivem a cataventar e cataventando busco o tudo e o nada que perdi em ti. E onde estás quando o que sobrou foi só a caricatura do que fomos?
***
Compro sucrilhos pra brincar de pretexto. Deixo a chuva chover achando-a cheia de xodós enxeridos . Sonho e caminho sozinho. Perco-me de mim mesmo.
Leio um livro de poesias velhas. Pinto cada página com a não-cor que me faz lembrar de ti. Suspiro. Sussurro. Murmuro palavras sem nexo enquanto durmo, ou tento dormir.
No fundo, catavento coisas estranhas de dentro do meu coração, reverberando um passado que de tão próximo já se faz perdido, longínquo.
Quebro regras. Por prazer.
***
Às vezes eu morro, bem devagarinho. Só às vezes. Às vezes. Costumo morrer como quem pinta um quadro: começo com a dor do pensamento e termino com o orgasmo de ver-me obra cumprida, vida cumprida, ainda que levemente vazia – leve porque vazia?
Remédio?
Se te perdi no espaço, jamais voltarei a te procurar pois tive asas amputadas. Busco apenas. Busco como verbo intransitivo.
Sinto-me catavento. Vejo-me preso por um eixo, girando, tentando voar, tentando desprender-me de mim mesmo. A inércia nos corrompe. Sinto-me catavento e não sei mais voar.
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