TIM-TIM
Beto Muniz

 
 
Houve um tempo em que as crianças cortavam cartolinas brancas em quadrados pequenos e pintavam um dos lados com cores fortes para fazer cata-ventos (era tempo de cata-vento). Esse tempo era um tempo de ingenuidade reinando no mundo e pedindo aos súditos apenas diversão diária e fácil. Cada cata-vento descia a rua em mãos velozes como que pedindo ao vento um brinde à vida. E no girar das cores ninguém parecia ouvir o característico tim-tim. Não precisava, para brindar a vida bastava aos moleques e meninas que o vento fosse capturado pelas abas de cartolina colorida. Talvez, se bem me lembro, a graça nem fosse o giro constante e bobo do cata-vento. A graça era poder correr contra o vento por horas e, no final do dia, sucumbir ao cansaço gostoso de vida completa e saudade do amanhecer. Esse tempo passou.

Amanheceu e já era o tempo de a ingenuidade ser deposta. Quedou-se o reino e o trono. Findaram-se a as cartolinas brancas e tintas vibrantes. O cata-vento colorido não pedia vento, nem brinde e nem mesmo vida. No imobilizar constante e bobo das cores não bastava estar contra o vento, era preciso não ter necessidades e esse foi o pior tempo que houve, pois que as necessidades foram se sucedendo até que se fez urgente ser mais rápido que o girar do catavento (então já era tempo de catavento). A graça deixou de ser correr contra o vento e passou a ser correr contra o tempo. Tim-Tim! Velocidade, sinônimo de sucesso. Nesse tempo o vento parou.

Tempos depois, numa esquina qualquer, um catavento! O encontro proporcionou rara chance de resgatar a soberania da inocência, de poder descer a rua fazendo girar um brinquedo. Mas esse tempo estava muito distante do tempo em que as crianças cortavam cartolinas brancas em quadrados pequenos e pintavam um ou os dois lados com cores vivas para fazer cata-ventos (e fazer cata-ventos me parece mais divertido que fazer cataventos). Prevaleceu a necessidade de correr contra o tempo para produzir sucesso e mais tim-tins. Tempos sem vento.

Houve um tempo que o pensamento, rápido como um catavento, filosofou que o homem é tolo demais para se deixar criança; ainda não passou esse tempo.
 
 

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