O CERTO É CORRETO?
VEJA BEM
Regina de Souza
- Então, D. Regina, está confirmada a sua hora, certo?
- diz ao telefone o recepcionista de meu médico - Na próxima sexta-feira, às 3:00hs, com o Dr. José Luis, certo?
- Certo! - respondo, nada feliz por estar compactuando com os "certos" dele - Estarei aí às 3 em ponto. Obrigada.
- Certo... - repete ele de novo, como num eco -...então, até sexta, certo?
Depois de anotar o compromisso em minha agenda, tento me concentrar no trabalho, mas não consigo; os
"certo" dele martelam meus ouvidos e isso me incomoda tanto que não vou saber como convencer meu cérebro a deixar esse som prá lá. Vou me dar o direito de divagar sobre o tema e, portanto, só depois que chegar a uma conclusão, voltarei ao trabalho.
Então, vejamos: além do "certo", temos o "correto" e o "veja bem" - o
preferido -, que só perde para o campeão "com certeza".
Vícios de linguagem... sabemos que eles sempre existiram, mas o que mais me surpreende é o imenso número de pessoas que têm aderido a eles. Antes era fácil identificar quem falava bem, mas atualmente até as bocas gramaticalmente corretas andam pronunciando alguns desses termos e, a cada frase, vão quebrando minha confiança em seu português.
Como pode, isso? O que leva um povo inteiro a dizer "certo", logo após toda e qualquer frase que pronuncia? Que fenômeno é esse que coloca indivíduos de classes sociais, idades e formações diferentes num mesmo patamar? É certo que diante do
"certo" todos somos iguais, mas permitir que ele - sozinho - esgote todas as diferenças, chega a ser um ato criminoso contra a nossa identidade!
Em minha humilde opinião, creio que a mídia é responsável pela falência de grande parte de nossos valores e incluo aí a linguagem. Ela
- a mídia - nos bombardeia ininterruptamente com tanta informação e apelos, que consegue abalar nossa individualidade muito facilmente e apenas os que têm bases culturais especialmente fortes sabem como resistir aos seus apelos e às facilidades que ela oferece.
...
A semana corre ligeira e hoje já é sexta-feira. São 2:30hs e cá estou eu, indo direto ao consultório onde trabalha o inspirador desta crônica.
Às 3:00hs em ponto entro na sala de espera, preparada que estou para ouvir todos os
"certos" que vierem daquela boca, em resposta a seja lá o que for que eu disser.
- Boa tarde! -digo, enquanto me dirijo à mesa do dito cujo.
- Boa tarde! - respondem as três ou quatro pessoas que ali se encontram acomodadas nos confortáveis sofás.
- Sra. Regina, correto?... consulta com o Dr. José Roberto, 3:00hs, certo? -
vai dizendo o recepcionista, enquanto confere meus dados na agenda.
- Veja bem, Sra. Regina, o Dr. José Roberto tá com problemas prá chegar aqui, correto? Então, a senhora vai ter que esperar ele atender todas essas pessoas que ele vai ter que consultar antes, certo?
- continua ele, atropelando toda e qualquer regra gramatical.
Quando vou responder que "Sim, claro!", ouço um "É", dito por alguém que não confiou em minha civilidade.
- Veja bem, Sra. Regina: pode ser até que ele chegue logo e até também pode ser que ele nem chegue, certo?
- se adianta o rapaz.
- Errado! - retruca uma senhora elegante, sem tirar os olhos da revista que folheia calmamente -O Dr. José Roberto não faria isso conosco. Ele é um profissional responsabilíssimo.
- Com certeza - respondem todos em coro - exceto eu e a senhora elegante que me olha de soslaio, como que à procura de cumplicidade.
- Boa tarde! - ouvimos Dr. José Roberto dizer, entrando apressado; sem tempo para ouvir nossa resposta ao seu cumprimento, completa:
- Meu dia começou mal... por favor, José, peça para entrar o primeiro paciente.
Ao que José responde:
- Certo!
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