STRATUS
Paulo Henrique Pampolin

Acordava cedo. Por não alcançar, subia no sofá, girava a tramela e abria a janela. 

- Olha o dia lá fora! 

Mais um que chegava. Um a menos que faltava para chegarem da Venezuela. Agora, faltava pouco, cerca de seis meses.

Quando minha irmã foi pela ultima vez, há um ano, levou na bagagem um pedido especial meu: trazer um Stratus. Era um carrinho de policia, preto e branco, movido a pilha, alem de andar sozinho, ainda piscava o giroflex azul e vermelho que ficava sobre a capota. Incrível! Foi meu primeiro contato com algo tão moderno. Para quem tinha como principal brinquedo alguns palitos de fósforo que eram pintados com guaxe, metade verde e outra metade azul, o Stratus era algo do outro mundo. Aquele era do meu sobrinho, mas minha irmã prometeu que quando voltasse traria um para mim. Eu tenho certeza que trará! Ela me ama! Voltara daqui a um ano, mas não importa, passa rápido.

Meu pai ate me disse que quando ela trouxer, ele tira as pilhas do Motoradio para eu usar no Stratus.

Chegaram as ferias e soube por minha mãe, por uma carta que recebeu, que não poderiam vir nessas ferias, mas que na outra estariam por aqui.

E continuou minha rotina, todos os dias, acordava e ia correndo para a janela, olhos ainda com remelas, olhava para o horizonte, imaginava como seria ter um Stratus. Estava um pouco mais longe de acontecer, mas esse dia chegaria.

Mais um ano se passou e com ele veio a aproximação do grande dia.

- Mãe que horário chegam?

- Não sei a hora, mas e no sábado.

Pronto, já tinha data, melhor, era depois de amanha.

Claro, meu sono desapareceu por aqueles dias. Poderiam chegar na madrugada. Não queria perder aquele momento. Queria eu mesmo abrir o portão para recebê-los.

Mas, ficar acordado tinha suas limitações físicas e as 3:00 hs, acordei com uma insistente buzina que não cessava.

- Chegaram!

Corri descalço, subi na cadeira, abri a tramela da porta, corri para o portão, lá estavam eles. Que alegria!

Abracei meus sobrinhos, meu cunhado e por ultimo minha irmã. Quantas malas! Em qual delas estaria meu Stratus?

Entramos, acomodamos, choros, risadas, alegria. Quanto tempo! Nao resisti e cobrei minha irmã:

- Cida, você pode dar meu Stratus agora?

- Stratus? Que Stratus? - com cara de quem não fazia idéia do que eu estava falando.

- Stratus, o carrinho de policia movido a pilha que você iria trazer para mim...

- Ahh... eu sei qual é. Eu não trouxe, mas a próxima vez que vier eu trago...

Não era possível, só podia estar brincando. Esperei dois anos por esse dia. Talvez estivesse só criando um pouco de suspense. Não estava. Não trouxe e realmente havia se esquecido.

Lentamente e sem ser notado, fui saindo, o dia ainda não tinha chegado. Fui atrás da casa, sentei-me no chão e chorei como nunca.

Aprendi ali também, que jamais deveremos não cumprir algo prometido a qualquer criança.

Provavelmente se essa promessa tivesse sido cumprida, essa crônica hoje não existiria.

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