PÁSSARO DA NOITE
Maurício Cintrão
Essa coisa de morar no Interior e estar fascinado pelas novidades do campo
cria uma predisposição a aceitar tudo como natural. Se é diferente, é da terra, é da região. E quase sempre é, mesmo! Como sou janotinha da Capital,
acabo me esforçando e acostumo com essas novidades.
Pois bem, tenho o estranho costume de acordar por volta das 3h00, sempre. Levanto, vou ao banheiro, depois tomo um copo de água (eventualmente um
toddynho), fumo um cigarrinho e volto a dormir.
A essa hora da madrugada, o silêncio é marca registrada de Pindamonhangaba.
Ocasionalmente, ouve-se o latido preguiçoso de um cachorro aqui, a resposta incomodada de outro cachorro ali e tudo volta ao sossego.
De vez em quando, porém, ouço um pio diferente vindo da rua. Ele não é constante. Aparece, dura um pouco e some. Quase toda noite é assim. É um
piado com dimensões dramáticas nesse silêncio das vigílias pindenses. Faz puriii-puriii e pára. Logo volta: puriii-puriii e pára.
No começo, eu achava exótico um pássaro cantar à noite. Com o tempo, fui aceitando a idéia. E até simpatizei com o bichinho. Ora, no Interior tem
bichos que na Capital nem existem mais. Bom, coruja eu sabia que não era. O
gruuuu, gruuuu da ave zoiúda eu conheço. Não é nem de longe parecido.
Eu vinha ensaiando para perguntar ao pessoal da região sobre a ave da madrugada. Mas a correria do dia-a-dia me leva a tratar de outras coisas,
deixando de lado o esclarecimento. Ainda bem que não perguntei.
Ontem, cheguei super tarde, madrugadão mesmo. A essa hora, não tem porteiro no prédio. Abri o portão com a chave eletrônica, entrei com o carro,
estacionei, fechei o portão e, quando abria a porta do hall de entrada, ouvi a ave cantar novamente.
Era um canto forte e estava próximo. Larguei as coisas no chão e fui para fora, em direção à rua. E vi o guarda-noturno em sua bicicleta, avisando à
noite que estava na ronda. Na mão, o apito de caça. Nem deve ter notado a minha cara de paulistano idiota que acredita em tudo.
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