FRIGOBAR
Iosif Landau

Eu andava de um lado pro outro, tinha pouco espaço, quarto de hotel de cidade interiorana do oeste paulista, poltrona, cama, abajur, frigobar, mesa, duas cadeiras, ar condicionado, não dava pra me queixar, mas a verdade era outra, a solidão me matava, cada fração de segundos longe da minha Ipanema uma tortura, profissão filha da puta que escolhera, engenheiro de merda que eu era, úlcera duodenal, stress infame, Brasil Grande, slogan da Redentora, pro bem da verdade eu gostava e odiava ao mesmo tempo, igual à paixão por mulher imprestável, mas nessa tarde minha aflição vinha acompanhada de outra, olhei o relógio, quase três horas, ela combinara três horas da tarde, um raio de sol incômodo atravessou a persiana da única janela, cerrei as cortinas, liguei o radio, olhei de novo o relógio, dois minutos para três, ela não virá, por que viria? não era um caso de amor, paixão ou tesão, não mesmo, uma tara? da minha parte? o encontro fora casual, tropeço na main street da cidade, iguais a todas de dezenas que eu conhecera no passado, mas ela, não era igual a todas as outras mulheres que eu tivera, nem mesmo no Rio, rosto pálido, olhos negros, corpo esguio, sem saliências perturbadoras, seu ar triste, jamais vira tanta tristeza em alguém, nem em homem, rememorei os instantes depois do involuntário tropeço, eu parado na sua frente, queria acariciar seus cabelos, suas faces, num impulso impensado segurei uma das suas mãos e a beijei, ela não a retirou dos meus dedos, apenas sorriu, um pouco de alegria no rosto, no olhar um lampejo coquete, convite para jantar recusado, como um cafajeste da cidade grande parti pra ação direta, nome, endereço Hotel Alvorada e o convite, – te espero hoje de tarde, as três horas – , não me xingou, apenas me olhou curiosa, ao entrar no carro estacionado no meio fio, ajudada pelo motorista, virou o rosto, – está bem ! –, apenas isso... o telefone tocou, atendi nervoso, – dona Carolina, está subindo –, o recepcionista desligou, olhei o relógio, três horas em ponto, duas batidas na porta, abri, ela entrou, fiquei parado, mudo.

– não vai beijar minha mão?

Beijei seu rosto:

– você veio!

– não era para vir?

Não respondi, silêncio, expectativa? no olhar dela interrogação, tenso eu fingia descontração, apanhei um maço de cigarros na mesa, acendi um, a mão tremia, fui ao frigobar:

– que beber algo?

Fez “não” com a cabeça, me servi de uísque, tomei um gole, coloquei o copo na mesa, barulho do trânsito pela janela misturou-se à música ambiente, vozes indistintas da rua, apaguei o cigarro, fechei a janela, desliguei o som, liguei o ar condicionado, zunido do aparelho me acalmou:

– falam muito palavrão...

–a mim não me incomodam - respondeu ela.

Apanhei o copo com bebida, um gole, o recoloquei sem pressa no lugar exato sobre a rodela úmida.

– cigarro? 

– não fumo, obrigado. 

Ela desviou o olhar, percebi a inutilidade da conversa, sabia que a incomodava, quarto de hotel, será que ela... fechei a porta do banheiro, desliguei o ar condicionado, o frigobar zunia, retirei o pino da tomada... silêncio total... acendi o abajur ela ainda estava de pé:

– não quer sentar?

– sim, me ajuda.

Segurei–a pela cintura, ela se ajeitou na poltrona, colocou as muletas no chão, ela desviou o olhar para a cama, parei à sua frente, sorri para ela, ela esticou os braços, a colhi sem esforço, a coloquei com cuidado exagerado em cima da colcha...

– te quero – falei rouco. 

– por que?

Responder? como? seria amor, desejo? ela não acreditaria, as muletas pareciam me ameaçar.

– te incomodam? 

– por que veio?

– tua delicadeza, seu jeito elegante de se comportar, seu sorriso gentil, sempre sonhei com um cavalheiro a beijar minha mão... depois do acidente... nunca mais... ai, meu Deus! me dê as muletas, quero as muletas...

Segurei-a nos braços, senti o tremor do corpo, o rosto dela no meu ombro se movia a cada soluço, acariciei seus cabelos, seguidas vezes até sentir a calma, a rendição... 

– não consigo ficar só, tenho horror à solidão, à insônia, tête–a–tête com o vazio – falei quase um sussurro.

Peguei suas mãos delicadas, pálidas... senti–me diante da mais terrível dilema, mulher inválida nos braços, fazer amor com ela, palavras surgiram sem freio:

– te amo, te amo!

Ela tentou afastar-se, escapar, no seu olhar breves instantes de ódio.

– não, não, por favor – implorou.

Deixou–se cair de volta na cama, rosto inexpressivo, olhar morto, me sentei ao seu lado, segurei de novo suas mãos, as beijei inúmeras vezes, quase sem respirar, longos minutos se passaram, por fim um sorriso, beijou meu rosto, sua mão acariciou meu rosto, passou pelo meu bigode espesso:

– sabe – falou – você tem cara de bandido, mas olhar de criança, vem, faça amor comigo... talvez você precisa mais que... 

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