O
LOUCO
Ana Terra
Três horas da manhã. Entro num bar para comprar água. Várias pessoas estão tomando a saideira e fazendo planos para o sábado que se inicia. De repente, um tumulto. Dois homens enormes, vestidos com jaqueta preta, seguram com força um andarilho e o "jogam" para fora. Não entendo nada. Não vi ou percebi qualquer atitude daquele homem que justificasse tamanha violência. Ele fica onde é esquecido fazendo gestos com os braços e pernas, lembrando uma dança primitiva. No rosto, um sorriso inexpressivo.
Num canto do bar, dois rapazes. Um na bateria e outro no violão. Som gostoso. Decido ficar um pouco por ali.
O baterista, de olhos fechados, parece entregue de corpo e alma à sua arte. Cena bonita. As baquetas parecem ter movimentos e ritmos próprios. Olho para fora e vejo o andarilho. Entendo sua estranha dança. Seu corpo vibra com a música. Seus gestos são os mesmos do baterista.
Fixo meu olhar no rosto do "louco". Nossos olhares se cruzam de forma mágica. Sinto meu corpo vibrar, tal como o dele. Ele me sorri. Acompanho sua estranha dança. Perco o controle dos meus braços e de minhas pernas. Não consigo ver mais nada. Só o olhar do andarilho fixado nos meus. A sintonia se instala Não sei mais quem sou, quem é o andarilho e por onde anda o baterista. Só ouço o instrumento que me envolve de maneira visceral.
Não sei quanto tempo é passado. Transcendo. Acordo e vejo que todos que ali estão dançam sentados com os braços no mesmo ritmo dos meus e do "louco".
Minha lucidez retorna. Entendo porque o andarilho foi expulso do local. O motivo era simples. Ele só queria dançar.
Sinto o amanhecer. Dou uma piscadela cúmplice para o "louco" que me sorri. Saio do lugar e, de cabeça baixa, acompanho os rastros que meus pés deixam no chão de terra batida.
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