REINO DAS HORAS
Adilson Sobrinho

Havia um reino e, em conseqüência, havia um rei e lá se encontravam também, a corte dos nobres, os religiosos, os artesãos e os plebeus. O reinado era cercado por montanhas de desenhos suntuosos, campos floridos e vacas que sempre se encontravam pastando preguiçosamente, pois também haviam pastos.

Haviam belas damas e músicos, religiosos e garbosos rapazes , quando se reuniam, sempre ocorria uma cerimônia matrimonial, e isso mantinha o nível populacional do lugar.

Haviam impostos e desordens, leis e falcatruas, pecados e perdões, sol e chuva, vida e túmulos e, como não poderia deixar de haver, haviam as horas.

Para Higino V, o rei, e sua abnegada esposa Abgail, as horas eram tudo de mais sagrado que tinham, nunca se soube bem porque esta obsessão, mas tudo naquele lugar deveria funcionar impecavelmente dentro dos horários determinados pelo rei e seus conselheiros. O desjejum por exemplo só poderia acontecer após o soar da primeira trombeta, que ocorria as primeiras nove horas do dia, a contar de 00:00, exatamente o horário em que o rei e sua abnegada esposa levavam a boca as suculentas bolachas de mel campestre, mesmo que os trabalhadores do campo já estivessem de pé desde as quatro primeiras horas, a desobediência em presentear o estômago antes do grande pai ( era assim que Higino V gostava de ser chamado ) era considerada ofensa grave, seguida de estada eterna em calabouços úmidos.

Assim como a primeira refeição, todos os passos daquele povo eram regidos, rigorosamente pelas horas, de acordo com as determinações do rei. 

Os cabelos só poderiam ser penteados as 10:00, crianças só tinham permissão para sair da cama às 10:30, às 11:00 era permitido a abertura do comércio, as 12:00 já se poderia começar a preparar o almoço, as 12:30 permitia-se o lavar de mãos, apenas as mãos, banhos só após as 18:00, e finalmente as 13:00, a sagrada hora do almoço, momento em que Higino V, o grande pai, fazia soar a trombeta e, sempre seguido por sua abnegada esposa Abgail, sentavam-se solenemente a mesa para o saboreio de seu tão apreciado Javali ao molho de ervas, afinal estamos falando de uma quarta-feira, e às quartas feiras era permitido o abate de Javalis, desde que as 09:37 h.

Assim funcionava o reino, pra cada atividade uma hora determinada. Já havia começado a algum tempo a ter de se utilizar também os minutos, não que houvesse tanto o que fazer, mas o reino crescia, e diariamente novas atividades tinham de ser inventadas e o conselho se reunia pra decidir a que horas as vacas e cabras deveriam ser ordenhadas ou a que horas e que minutos os homens e mulheres esvaziariam as bexigas .

Tudo funcionava com a precisão de um relógio, de sol é claro, ainda não haviam Aguinaldos Timóteos em contrapartida, não haviam os Rollex. Salvo as horas que iam de 00:00 às 03:00 da madrugada, todas as outras já estavam ocupadas.

Seguia-se o curso natural do reino, tudo com a sua hora marcada, enquanto isso o corpo de conselheiros do rei, por ordem de sua majestade, arrancava os cabelos na tarefa de preencher os horários ociosos, para a meia-noite em ponto, decidiram o fechar das tabernas, à 01:00 como a hora máxima de ir para a cama, para as 02:00 o momento exato da cópula e manutenção do nível populacional e pararam por aí sem acharem o que fazer às 03:00 já que às quatro todos os aldeões já deviam estar a caminho da labuta no campo.

Lançou-se então no reino um grande concurso aberto para sugestões do que deveria ser feito às 3:00 h. Como democrático que era, Higino V permitiu que todos os campônios participassem ( sendo premiado o vencedor com 10 cabeças de bovinos, ovinos e caprinos) sem distinção de classe, raça ou cor, desde que a sugestão fosse entregue em dia determinado exatamente à 3:00 horas.

A véspera daquele que seria o dia da entrega das sugestões, batizado de "O Dia das 3:00 h"., o povo estava em alvoroço, o reino fervia, porém o rei, segundo fofocas de fontes confiáveis, não se sentia bem, e havia passado todo o dia, cabisbaixo e soturno. Faltavam apenas alguns minutos para a fatídica hora, quando gritos desesperados foram ouvidos por toda os homens e mulheres que no portão aguardavam com suas suas idéias, algo lastimável havia ocorrido à exatas 3:00 horas, Após algum tempo de tenebrosa expectativa, um mensageiro do reino se dirigiu a todos, um silêncio aterrorizante tomou conta do ar, ele anuncia naquele momento o falecimento inexplicável da Rainha Abgail, a abnegada companheira do rei.

Todos que ali estavam naquele momento choravam intimamente, uns pela alma da bondosa rainha, outros por terem a certeza de que a sua idéia seria a aceita e que acabara de perder 10 vacas, 10 leitoas e 10 cabras.

Após uma semana de luto, o mensageiro do rei convoca a todos para proferir as novas decisões de sua majestade. Em tempo recorde o paço principal se encheu, por sobre um palanque, Otílius, o mensageiro transmite a nova ordem:

— Estando o rei e senhor destas terras, desprovido de sua companheira e por conseqüência e opção abnegado de entrelaces sexuais com pessoas de outro sexo, fica determinada esta opção como norma a ser seguida rigorosamente por todos os homens e mulheres deste reino. Assinado Higino V, o grande pai.

O que se sabe então é que as pessoas que ainda lá permaneceram, foram se raleando aos poucos até não permanecer viva alma e ver-se encerrar a odisséia de Higino V e seu reino das horas.

As vacas ainda lá continuam pastando e procriando até porque ainda há pastos e elas não são muito dadas a cumprimentos de leis e abstenções sexuais. 

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