A PÉ, AO LÉU
Thaís Emília
Fim de noite, rabo de madrugada de desespero. Descalço-me, enfiando minhas meias dentro do sapato, como línguas ofegantes de tanta andança e poeira. Minhas solas gastas perderam-se - eu própria perdi-me - durante trilhas labirínticas permeadas de silêncio ártico e miragens insanas.
Diante de meus olhos, estrelas desfilam numa procissão regida pelos longos dedos de condão dum deus imberbe. Embriago-me de luar: pranteado de São Jorge prateando a escuridão, olho solitário dum aleijão sideral.
Súbito, eu mesma sinto-me mutilada, ao lembrar-me de teus dentes modelados com argila lunar, teus dedos em cujas digitais estão traçadas as órbitas planetárias e os eclipses de galáxias desconhecidas, teus cabelos tecidos por aranhas oníricas. Você é a parte de mim mesma que mais me faz falta, e por isso te procuro desde que as chamas do nosso amor feriram minhas retinas e fizeram que eu te perdesse, desnorteando meu viver e empoçando o mar em meus olhos.
Desde então vago ao léu, entre escombros de saudades miseráveis, fiapos de dor, punhados enormes de esperança: bagagem sem outra bússola que teu rastro, menininho. Porque sei que, quando nossos passos se reencontrarem, meu caminho terá rumo.
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