ENCONTRO DE FAMÍLIA
Pedro Luiz Cipolla
Há certos compromissos dos quais não podemos deixar de comparecer.
A estrutura de uma família também se mantém com certas reuniões que muitas vezes a maior parte da própria família não quer ir.
São aqueles churrascos, como o que a tia Palmirinha fez, na inauguração de sua casa nova, no interior. É aí que você encontra aquele seu cunhado chato, que você só vê nestas reuniões, e é obrigado a agüentar contando aquelas mesmas piadinhas de sempre.
Ou então encontra aquela prima que nunca te vê e já vem dizendo: "Puxa cada ano que passa você fica um pouco mais careca...! Jovem e bonita, só mesmo a Mirinha. Como você consegue?"
"São seus olhos querida,você que é muito gentil!" responde a tua mulher, fazendo uma figa com os dedos que parece que vão ficar grudados pro resto da vida.
Então, aquele teu primo gozador (toda família tem um) acrescenta gritando: "Hei! pessoal vocês viram que agora o Pacheco ta perdendo a barriga?... Pra fora da calça! Né, Pacheco?".
Depois do riso geral, você dá aquele seu sorrisinho amarelo hepatite, quando na verdade você queria mesmo é meter a mão na cara daquele imbecil, que só faz piadinha velha.
E quando aparece aquele teu parente rico que vem logo perguntando: "Como é Pacheco, como vão os negócios. Tá trabalhando muito?".
Daí você faz aquela cara de que tá tudo bem e nunca esteve melhor. Na verdade você está desempregado há 6 meses e quem está sustentando a casa é a tua mulher, com um emprego minguado que teu tio arranjou pra ela na Prefeitura.
"Tô vendo que você ainda não trocou de carro! Ah,todo ano eu troco a minha BMW. Este ano ela é vermelha. Você precisa ver que linda!".
Aí você tem que ser criativo e dizer que adora a sua Saveiro de 8 anos, porque ela não chama a atenção dos ladrões. Dando um ar de "seqüestrável" você alega que pensou muito em comprar uma BMW azul, do ano, como a dele, mas você teve uma briga feia com a Mirinha por causa disso. Ela te ama tanto e tem tanto medo da saga dos ladrões que simplesmente te proibiu.
Na verdade mesmo, mal e mal,você consegue pagar a gasolina para aquele teu carro velho.
E quando vem aquele teu tio decrépito que troca o teu nome e só fala bobagens, ainda mais depois de ter tomado umas cervejas?
- Oi,Leonardo!
- É Leandro, tio!
- Então! Você tem operado muito?
- Eu não sou médico, tio! Eu vendia, quer dizer, vendo seguros.
- Ah,é! E você tá seguro?
- Como seguro?
- Ué!Essas plásticas que você faz tem que fazer seguro, não é?
- Tio, já lhe falei que eu não sou médico e muito menos cirurgião plástico!
- Ah, é verdade. Eu estou confundindo você com o teu primo Waldomiro, o filho do Nonô. Cê lembra dele? E a Catarina tua mulher, como vai ?
- O nome dela não é Catarina, tio! É Carmem!
- Pô, já mudou de mulher! De novo,Leonardo?
- LEANDRO, tio!
Daí você discretamente se afasta e vai procurar a tua mulher em busca de um porto seguro. A encontra num papo animado, perto da churrasqueira, ao lado da tia Palmirinha, que foi quem teve a "brilhante" idéia de reunir a família toda nesse churrasco.
- Pacheco,você está com uma cara meio chateada. Tá triste, meu filho?
- Não, tia. É que eu estou um pouco cansado!
Você prefere contar mais uma mentira para fingir que é bem sucedido, e não se sentir inferior na sua própria família:
- Eu trabalho muito na empresa. Sabe como é, né tia? Empresa multinacional. Viagens internacionais... Não tenho tempo nem de descansar!
Justo você, que não vai nem à Praia Grande há mais de 4 anos, e que passa as tardes vadias vendo programas femininos na TV. Já pensou até em fazer um curso pra vender bijuterias.
Sua Tia Palmirinha insiste em te agradar:
- Deixa que eu vou te servir uma carninha que você vai adorar!
Ato contínuo pega um prato e coloca um belíssimo pedaço de cupim, com aquela borda enorme de gordura.
Você ODEIA CUPIM! Ainda mais com aquela borda enorme de gordura que te deixa enjoado só de olhar. Sem contar o teu colesterol que já não existe aparelho que consiga medir.
Daí começa a luta da simulação... Você fingindo que come, pra agradar à sua tia Palmirinha, ao mesmo tempo em que vai cortando os pedaços e dando àquele cachorro vira-lata que fica embaixo da mesa do churrasco.
Toda família que se preza tem um cachorro vira-lata que leva para o churrasco, e a sua não poderia ser diferente.
Enquanto o cachorro se refestela com a carne você vai se enchendo de cerveja... Até que, lá pelas tantas, cumprido o tempo regulamentar de permanência no churrasco familiar, você já meio tonto, resolve ir embora dando aquele "tchau geral".
- Tchau, pessoal! Até a próxima.
- Já vão? Toma mais uma cervejinha. O tio Nicanor acabou de colocar mais um cupim pra assar! Não vão esperar pela sobremesa?
- Não obrigado! Já é tarde.
Então vem correndo a tia Palmirinha com um embrulho...
- Olha! Eu separei para vocês um bom pedaço de cupim e umas pamonhas que eu tenho certeza de que vocês vão adorar!
- Não precisava se incomodar, tia!
Você ODEIA PAMONHA, também!
***
- E agora,como é que a gente sai daqui?
- Pacheco,nós já passamos por esta estradinha mais de mil vezes. Não é por aqui que a gente pega a estrada pra São Paulo.
- Como não é por aqui? Já passei por aqui, eu conheço tudo por esta região...
- Pacheco,você bebeu demais! Acho que você está bêbado! Nós estamos perdidos, e já está anoitecendo. O pior é que aqui não tem ninguém pra gente perguntar...
- Xá comigo.Você não conhece o teu Pachequinho?
Rodam mais de meia hora sem acharem a saída pra São Paulo.
Já à noite...
- Olha, lá na frente tem uma placa indicando!
- O que é que está escrito na placa? Daqui eu não consigo ler. Ilumine com os faróis!
- Em frente...Ibipiroca?
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