PERDIDO
NA ESTRADA
Lena Chagas
Era um lugarejo encravado entre morros cobertos de mata. De um lado, margeando a estrada, a vegetação nativa dividia o espaço com árvores de eucaliptos de vários tipos e tamanhos; de outro, uma plantação de acácias negras fazia divisa com mais outra de eucaliptos; e na parte plana, às margens do riacho – onde eu mergulhava com a turma - que corria ao longo da estrada de ferro, centenas de pés de maricás, misturados a grandes pedras de rio. Todas as árvores floresciam, ao seu tempo, durante o ano, mas a atmosfera do lugar era impregnada pelo perfume característico das folhas do eucalipto cheiroso, que, embora em muito menor quantidade, predominava sobre os demais, pela intensidade do seu odor.
Logo na entrada para a vila, podia-se escolher entre andar pela estrada de terra ou seguir pela trilha, por dentro da mata, para se chegar até a casa de meus avós maternos, onde eu morava.
Sempre preferi ir “por dentro” – como se dizia por lá -, pois a distância parecia ser menor que os três quilômetros da estrada, embora fosse um pouco maior, na verdade. Mas a sombra, os ruídos e o cheiro do mato eram atrativos irresistíveis. Ouvir as pisadas amassando as folhas secas e os gravetos, desviar dos cipós ou pendurar-se em um deles e dar um salto, escutar mais de perto o trilar do Sabiá da terra, do Sanhaço, do Bem-te-vi e de tantos outros, também faziam da caminhada um divertimento.
Depois de tantas idas e vindas pela trilha, percebi que em determinadas horas do dia, o interior da mata exibia certas peculiaridades de forma mais acentuada, tornando o cenário ainda mais encantador.
O amanhecer era o meu preferido. Os raios de sol penetravam aos poucos por entre as árvores realçando os troncos esbranquiçados dos eucaliptos, abrindo brechas na densa névoa úmida como lâminas rasgando um véu. Os ruídos, ainda esparsos, davam sinais do despertar num bater de asas aqui, num gorjeio ou num piar ali. A coruja à procura de um resto de noite, as cigarras alvoroçadas em busca da luz; os grilos se despedindo e o sabiá afinando o seu cantar; cada um, ao seu jeito, fazendo renascer o pulsar da mata, quase sempre invisível ao nosso olhar. O cheiro, nessa hora, era envolvente. Trazia o frescor do orvalho misturado ao aroma das folhas e das flores de eucalipto, das cascas secas dos troncos, dos tufos de capim e das barbas-de-pau que pendiam dos galhos como cortinas.
Com o sol a pino, especialmente no verão, por todos os cantos da mata, podia-se ouvir o ritual ensurdecedor e mortal das cigarras, que num zumbido uníssono e estridente como uma sinfonia ininterrupta, cumpriam seu destino atávico, cantando até explodir. Incompreensível e inevitável fim a que se impunham, a nós restava encontrar suas carcaças marrons ocas e secas, às dezenas, grudadas aos troncos das árvores ou agarradas às costas de outra cantante suicida. Orgasmo mortal, o das cigarras!
Ao cair da tarde, outro momento especial. O cheiro de lenha queimada era o prenúncio do recolhimento. As pessoas sentavam em frente das suas casas para conversar, e ao longe, ouviam-se os grilos e as corujas ansiosos pelo anoitecer. A lua cheia fazia um espetáculo à parte sobre a mata, que, vista assim, cá de baixo, nos revelava um show de luz e sombras, impressionante!
Esses e tantos outros detalhes me fizeram voltar àquele lugar, depois de umas duas décadas, para matar a saudade.
No lugar da estrada encontrei uma grande avenida movimentada, cheia de cruzamentos que chegariam não-sei-onde. Da mata e de tudo que ela acolhia só restou uma pequena amostra cercada, no topo do morro, estrangulada por um cinturão de moradias populares, casas de comércio e a estação de metrô.
Ao primeiro guarda que vi, perguntei sobre o que não via.
- O riacho, aquele que seguia a linha do trem? Ficou embaixo do asfalto! – respondeu.
- E em que direção eu encontro a saída?
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