PERDIDO
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães
Vou indo - como na canção antiga - caminhando sem saber onde chegar. Quem sabe na volta... Não, não vai ter volta. Eu não sou vingativo, não guardo remorsos pelo o que aconteceu; mas não tenho intenção nenhuma de voltar
atrás. Além do mais comprei passagem só de ida.
E agora aqui estou, perdido na estrada.
Culpo as cervejas, o atraso do ônibus. No boteco da rodoviária - calor terrível - tomei todas. E quando ônibus finalmente chega eu simplesmente apago na poltrona puída.
Lá pelas tantas desperto assustado, zonzo. O ônibus parado no meio do nada. Os passageiros todos dormindo profundamente; alguns roncam.
Minha boca ressecada e minha bexiga no limite do suportável. Eu precisando desaguar urgentemente.
Desembaço a janela com o pano da cortina e tento visualizar alguma coisa dentro daquela escuridão. Nem estrelas nem vaga-lumes, nem mesmo faróis solitários de carros na pista contrária. Só um facho tênue de luz de lanterna que aponta para os pneus dianteiros do ônibus onde o motorista bate na borracha inflada com um martelo de madeira. Checagem de rotina.
Sem coragem de enfrentar o cubículo malcheiroso do fundo do ônibus, desço cambaleante. O motorista no lado oposto, checando os pneus traseiros.
Avanço alguns metros, invado um capinzal, abro a braguilha e deixo o meu desconforto vazar torrencial. Fecho os olhos e é mesmo que não fechá-los. Escuridão. E a sensação de leveza, de alivio me desligando do mundo físico que se equilibra sob os meus pés.
O ônibus rosna e arranca. Só me dou conta quando ele já está longe.
Perdido na noite. Pois é. Nome de programa de auditório.
Passos incertos, vôo cego, ando à margem da estrada erma. A sede impregnada nos lábios que beijastes.
Não, eu não posso lembrar que te amei...
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