Naqueles dias
tudo parecia cinza, a começar pelo céu e pelas previsões econômicas daquele
país da América do sul. Xaveco da Silva, mais conhecido como "Mr. Cactos"
devido a crateras deixadas em seu rosto na época da adolescência, fazia
a sua tradicional caminhada matinal beirando a praia da cidade. O calçadão
vazio denotava o desanimo que emanava da população local, cheia de tédio,
tristeza e escassa de esperança.
Quando chegou em casa "Cactos" iniciou o seu ritual monótono para encarar
mais um dia na busca de emprego. No café da manhã quase escasso comeu
um pedaço de pão velho requentado no fogão do século passado. O gás do
coitado já estava por findar. Para acompanhar o maravilhoso quitute farináceo
bebeu um copo d'água fresquinha da torneira. Vestiu o terno velho, porém
bem passado e quase limpo. Olhou-se no espelho, escovou os dentes com
os dedos mesclados de água e sabão usado, passou as mãos umedecidas também
pelo precioso líquido da bica nos cabelos mal lavados e jogou um pouco
de talco nas axilas que exalavam um perfume misto de cê-cê e sabonete
de segunda categoria.
Lembrou-se de sua opção na última eleição presidencial. Votou para o povo,
pela democracia, por mais emprego, no partido dos trabalhadores. Por ironia
do destino ele que sempre esteve bem de vida, agora estava desempregado
e sem previsão de salvação.
O país fazia de tudo para controlar o possível retorno do fantasma da
inflação, mascarado pelos governantes, mas que doíam e muito nos bolsos
dos contribuintes. Na verdade eram anos e mais anos comandados por tecnocratas
e economistas que testavam teorias que apertavam cada vez mais a gravata
no pescoço do povo, principalmente da classe média que de tão pressionada
para baixo, virou classe pobre e estes já quase transformados em mendigos.
O capitalismo que já estava com os dias contados, a riqueza concentrada
nas mãos de uma minoria insensível que vivia trancada em mansões luxuosas
que mais pareciam prisões, com seguranças caindo pelo ladrão.
Assaltos, mortes, poder paralelo, polícia corrupta, políticos espertos
que se enriqueciam cada vez mais as custas da miséria dos cidadãos honestos.
Judiciário comprado, fiscais com depósitos milionários na Suíça. Legislativo
que ao invés de fazer leis, brincava de CPIs que acabavam sempre em pizza.
Pareciam adolescentes filhinhos de pais influentes que tinham as costas
quentes e que nunca seriam punidos pela justiça. Nação sem destino, perdida
no caminho, subdesenvolvida. "Cactos" era somente mais um cidadão latino
americano que passava os dias implorando por uma solução. Perdido na estrada
da vida.
Estradas
Pelas
estradas da vida ninguém sabe o que quer...
Pessoas se matam por um pedaço de pão...
Chegam a matar seus irmãos...
Pelas estradas da vida: Sonhos, amores,
desilusões, alegrias, dissabores...
Pelas estradas da vida: Ouro e riqueza,
dor, trabalho escravo, pobreza...
Pelas estradas da vida pro que der e vier...
Lutas inglórias e injustiças mil...
Por caminhos tortuosos do nosso Brasil...
|