ÁGUA
Ana Terra

Há muito tempo estou sentada à beira do caminho. Chão árido. Terra batida. Uma estrada sem fim. Olho para os lados sem coragem de prosseguir. O sol quente me causa agonia. Procuro por sombra. Encontro uma árvore. Descanso. Apuro minha audição. Música suave e acolhedora. Sigo o som e chego às margens de um riacho.

Ando contra a correnteza. O riacho se estreita até chegar em gotas de água que nascem de uma pedra. Gotinhas que caem sem parar. Avolumam-se. 

Percebo que há várias pedras no caminho das águas recém nascidas. De todos os tipos: escorregadias, lisas, pontiagudas, delicadas, inóspitas com arestas que arranham, machucam, sangram e outras como proteção de um útero, onde descansam em forma de lagos mansos. 

A água corre sem parar. O sol aquece, a sombra das árvores lhe dá a temperatura certa, é alimentada pela chuva.

Observo o caminho das águas. Sua maleabilidade. Acariciam as pedras escorregadias e lisas. Espumam e fazem barulho quando atravessam as pedras com arestas. Aumentam sua velocidade nas descidas, produzindo um som único. 

Quando chegam num precipício não há dúvidas. Mergulham no escuro, de olhos fechados. Passada a fúria, percebem a beleza de uma cachoeira. Algumas gotas evaporam no ar. 

E assim vão. Encontram outro riacho um e suas águas são misturadas. União mansa. Sem perguntas. Seguem juntas. 

Muito mais lá adiante deságuam no mar. O doce da água desaparecerá com o sal. Sua cor mudará. As pedras desaparecerão. O movimento será outro. Arrebentação e morte na areia. 

Sou água agora. Nada mais se machuca. No final da caminhada sinto o agridoce da vida. Não fiquei perdida na estrada. 

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