UM DIA TOMO RUMO
Alberto Carmo
Não que eu seja uma miss Brasil, mas tenho lá meus encantos. Fui bem criada, embora às vezes seja malcriada comigo. A todos trato com elegância e paciência, mesmo os mais exaltados com quem cruzo pelas vielas da vida. Sonho com coisas que nem os mais geniais pintores imaginariam plasmar numa tela. Sou capaz de belezas inimagináveis pelos mais inspirados fotógrafos. Então o que estou fazendo de mim?
Dei de cair de amores por um ser obscuro. Se não o soubesse casado, pensaria num rufião de alguma cidadezinha esquecida num mapa amarelado, jogado num canto qualquer de algum bar da periferia. Talvez o tenha sido, tamanha fala mansa que me aplica com falsas intenções. Sei que me quer por algum michê que lhe pague. Não como mulher, mas como mecenas de um covarde.
Aquele aspecto rústico, primitivo, de algum foragido do planeta dos macacos, deve ter mexido com meus hormônios, que andam pela hora da morte, tal a falta de homens no meu pedaço - não sei por que cargas d'água acabei me rodeando de afeminados e colegas que disputam cada pedaço do terreno. Os que sobram são bem casados, ou mal separados. Daí fui atracar meu barco nesse porto descarado.
Por falta de aviso não foi, que tenho aqui e ali uns bons amigos. Finjo não ouvir-lhes os conselhos porque ainda não resolvi buscar novos rumos. Sei que marco ponto, mas tenho preguiça. Prefiro a ilusão de algum príncipe, ainda que fajuto, que eu pintei de encantado. Nem sei o que fiz do meu bom gosto. Ficou-me na retaguarda e não sou de olhar para trás.
Iludo-me com falsos açúcares quando ele me vem sugar barato o que conquistei a duras penas. Sou estudada, lida, caprichada. Não nasci em lata de lixo, como dizia minha mãe. E fico aqui, assim feito uma desmamada, molhando minhas coxas por uma causa que me vale... nada.
Acho que o peguei por vítima dos meus desvarios. Não poderia contar com algo melhor que um desses cabeças-de-bagre numa hora dessas. Na hora do aperto vale até vela sem pavio.
Mas, faço-me um favor. Eu mereço muito mais que isso! Vou dar fim a essa paixão sem compromisso. Menos ainda, vou deixar de entupir meus ouvidos com discursos crassos que me fedem mais que chouriço. Eu me demito.
Vai procurar tuas negas onde quer que te dêem ouvidos! Larga minha carteira que não te dou nem mais um tostão amanhecido. Toma tento e vai te juntar a outros vagabundos atrevidos. Como ousas entorpecer meus sentidos com tuas artimanhas que me fazem dar risos doloridos? Vai-te, cafetão! Não sou puta pro teu pedaço de carvão revendido!
Não mais que dois parágrafos e serei outra, que me valorize tantos anos aprendidos. Sou mágica, sou una, tenho todos os sóis à minha mercê. Durmo e revivo ao amanhecer.
Valeu-me, meu santo, que me mostraste o que por ora deva fazer. Vou-me rápida como um gemido, mas volto aqui renovada, a espera do que me faz sentido.
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