É PEGAR OU LARGAR
Adlai Hoartmann

As luzes vermelhas dos freios, acesas. lâmpadas japonesas, carros japoneses. a avenida pulula e o caminho de casa está cheio de gente. de primeira ou com os pés nos freios andamos devagar. come cru quem tem pressa, antes de morrer de fome. as luzes vermelhas dos sinais, os sinais dos guardas de trânsito te mandando seguir, te mandando parar. a hora do Brasil, desliga o rádio o taxista. as luzes vermelhas do taxímetro marcando o quanto está cheio meu saco. o taxista comenta alguma coisa, ignoro. as luzes vermelhas piscantes marcando low-batt, meu celular no fim. o taxista me diz que o trânsito está uma merda. concordo mas não compactuo. logo logo e me pergunta em quem votei. a luz vermelha opaca do adesivo lulista no vidro traseiro. pequenas tartarugas naufragadas procuram o mar, cegas. no carro ao lado, uma weekend vermelha suja, o marido míope, a gravata frouxa, a mulher cochilando no banco do passageiro, a babá indígena se enrolando com os dois selvagens meninos da família, loiros, famintos e insones. as luzes vermelhas do anúncio de uma empresa de telefonia celular em um ponto de ônibus: Vivo. Um negro com uma arma na mão pede para que o taxista abra a janela do carro. o ar condicionado está ligado, notei só agora. meus joelhos apertam-se. notei a bexiga cheia. o taxista diz algo como peraí, peraí. o negro nervoso olhando para os lados diz vamos porra, vamos. os olhos injetados de vermelho do negro brilham no escuro. o taxista lhe entrega um maço de dinheiro, notas não contadas. os olhos chorando vermelho do taxista pelo retrovisor. as luzes vermelhas dos freios, acesas. a polícia grita contra o negro. o negro não grita, corre. há troca de tiros. o vermelho sangue do meu coração aflito. me abaixo, com o cu na mão. lá na frente o negro é alvejado, cai morto sobre o asfalto, entre os carros, perdido na estrada. quando então o sinal se abre, esverdeando-se bem devagar.

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