O SEMEADOR
Adilson Sobrinho

Apareceu do nada, ouvi ruídos no velho portão de madeira e palmas de anunciação. Era um dia como outro qualquer dos meus quinze anos e eu ainda no exercício de acordar o recebi após o sempre e simpático bom dia e, como um mascate, me ofereceu o que tinha. Quis me vender sonhos, hesitei; me mostrou contas coloridas de ilusões, estas eu já as tinha. Do fundo de sua sacola cheia de marcas dos tempos, retirou a loção da eternidade; me interessei pessoalmente por esta, mas num átimo de desfaçatez não quis mostrar tanta empolgação, afinal viver não tem de ser pra sempre.

Eis que com uma naturalidade que já lhe parecia possível ante tão frondosa invasão, me ofereceu "amor" , meu coração pulsou e eu não soube me conter, enrubesci, não consegui disfarçar a minha ignorância sobre tal. 

Ele, quase que um maltrapilho, me sussurrou, não que estivesse realmente sussurrando, mas sua voz me soava assim. Contou-me que o amor, ele trás sempre na parte mais escondida de sua bagagem, pois sabe que sempre se oferece primeiro os prazeres e que o este, apesar de ser o maior dos prazeres, pede calma, vontade, lucidez e entrega e não se entrega à ilusões sem que se permita a realidade. Não se sonha sem antes o experimento e a eternidade. É possível sim, viver não é pra sempre, amar o é, atravessa todas as dimensões e nestes labirintos de emoções, supera-se e nos remete sempre ao sempre. 

Encantei-me com suas palavras e aceitei sua oferta dessa rara mercadoria, ele sorriu e, levantando-se lentamente, me revelou o valor a ser cobrado pela venda, retruquei dizendo não ter nada recebido e que, portanto, não haveria o que pagar. O mascate, delicadamente, me garantiu que havia deixado em meu coração aquilo que tinha prometido. De forma serena me beijou a testa isentando-me de qualquer paga e, caminhando lentamente, rompeu o velho portão de madeira tomando a direção da campina.

A imagem que ainda hoje tenho daquele insólito forasteiro foi a de sua sillhueta se perdendo na estrada e, em mim, o que ficou após aquele dia foi a terna sensação de que fui despertada por aquele homem para um sentimento até então resguardado no fundo de minhas limitações.

Hoje, do alto dos meus tantos e poucos anos, reconheço a magia de ter sido tocada de maneira amena, sutil e agradável pelo mascate dos sonhos.

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.