BOA TARDE, TRISTEZA
Ly Sabas

Lá está ela, sentada no largo peitoril. Com dedos ágeis, vai trançando os longos cabelos ruivos, e os cachos rebeldes fugindo por entre as tramas da trança, formam uma nuvem luminosa, emoldurando o rosto miúdo. Toda tarde, ela senta na janela. Dias há em que fica horas devaneando, escova esquecida ao colo, a emoção fluindo apenas no olhar. 

De meu ponto de observação procuro não perder nenhum gesto seu. Faço a minha parte. Sento sempre no mesmo banco da praça para acompanhar seu ritual diário. Hipnotizado pelo bailado de seus dedos, sempre deixo a imaginação tomar conta de meus pensamentos e vejo-a como a linda, porém sofrida, Rapunzel, preparando a escada por onde o príncipe irá subir para arrancá-la dessa melancolia. 

Já passei da fase de especular o porquê do semblante triste, dos gestos maquinais, do olhar parado, da solidão. Agora me limito a olhar e ver minha Rapunzel. 

Lá está ela sentada à janela trançando suas madeixas avermelhadas. Espere um pouco, algo está diferente hoje. O quê é? Será o perfume das quaresmeiras que transformam a praça em um tapete lilás? Ou será o decote do roupão que se apresenta exagerado? De onde saiu aquele gato rajado que esfrega, lânguido, a cabeça em seu regaço? E os olhos?! Preste atenção aos olhos! Veja o brilho, observe como sorriem. Essa música... se não estou enganado é ... Vinícius! É claro, ninguém consegue imitar esse maravilhoso desafinado. O que é aquilo que está retirando daquela caixa? Uma orquídea! Não acredito!? Vai prendê-la em seus cabelos. Há décadas as mulheres deixaram de lado esse hábito encantador. Oh, Meu Senhor, o que estará acontecendo? E agora, já vai se retirar? Tão depressa? Não, está apenas virando-se em direção ao interior do quarto e... sorrindo. Ah, minha Princesa, você sabe sorrir. E como ficas linda. Espere, calma, atenção, abra bem os olhos, meu velho, olha lá. De quem será aquele perfil delineado através da cortina? Estão se beijando!

Que bom minha princesa, seu príncipe chegou. Agora não mais direi, parodiando o Poetinha: “Boa tarde, Tristeza.”

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