MINHAS JANELAS
Luisa Jardim
Quando eu era pequena, meu paraíso era a casa de minha avó, onde estávamos sempre minha irmã, meus primos e eu. Com a morte de minha mãe, eu morei dois anos lá e depois, vendida a casa, fomos para um apartamento no centro. Minha melhor lembrança daquela casa era a sala enorme, com grandes janelas para a frente (rua) e para o fundo, onde havia um imenso quintal. Minha avó gostava de ficar à anela, "pegando a fresca" da noite e observando a passagem das pessoas na rua. Na sua cadeira predileta havia sempre um travesseirinho, que ela colocava no peitoril para apoiar os cotovelos, porque "mulher bem cuidada não tem cotovelos grossos nem escuros". As minhas prediletas eram as janelas do fundo, de onde eu podia sentir o cheiro da terra molhada e ver as árvores frutíferas, os passarinhos, o canteiro de temperos e algumas flores. Dalí eu escolhia a manga mais madura, a maior goiaba, observava a empregada lavando a roupa e me sentia a própria Emília, olhando o quintal do Sítio do Picapau Amarelo.
No apartamento, as janelas eram somente janelas comuns para luz e ventilação, sem a magia dos janelões da nossa casa. No terceiro andar, a gente só via mesmo os telhados das lojas vizinhas. Durante um certo tempo eu observei um chinês, dono de um bar na vizinhança, que colocava os peixes crus para secar em cima do telhado, à mercê da poluição, da poeira, dos insetos (arghhh).
Na escola, as professoras logo descobriam que eu não podia sentar perto da janela, pois não prestava atenção nas aulas e "viajava" olhando tudo que acontecia lá fora.
Quando "descobri" a televisão, já na adolescência (antes eu só queria brincar, não me interessava por programas infantis), eu a via como uma janela que trazia o mundo para perto de mim, apesar de ser só uma espectadora.
Em todas os lugares onde trabalhei, sempre tive uma janela. Quantas vezes fui surpreendida, por um visitante inesperado, de pé, em frente à janela, olhando para fora, às vezes buscando inspiração para um trabalho que precisava ser feito, outras vezes somente "matutando" mesmo. Isso, até o final do ano passado.
Para reformar o andar da Reitoria, fomos, todos os ocupantes do 4º andar, distribuídos por salas emprestadas em outros prédios do campus.
Assim, aqui estou eu trabalhando numa sala sem janela (eu, que geralmente tenho uma vista linda bem na minha frente: os jardins da entrada do campus e, mais além, o verde bicolor dos canaviais que se perdem de vista), onde tenho que ficar ouvindo o zumbido do ventilador o dia inteiro (sim, ventilador, não tem ar condicionado!) e com a luz permanentemente acesa (vou ao oculista logo que voltar para minha sala, pois tenho certeza de que estou míope, há 3 meses sem luz natural).
Todas essas reminiscências me trouxeram à mente um filme russo que vi outro dia - "Salada russa em Paris" - e que tem como tema central uma janela: um jovem professor de música morava em um quarto alugado num apartamento em Moscou. Uma noite, descobriu, no fundo de seu armário, uma janela secreta (e mágica), que se abria para os telhados de outra rua do outro lado do mundo, em Paris. Ali, uma moça chamada Nicole, que trabalhava empalhando animais. observava o constante vai-e-vem dos russos, empolgados com os bens de consumo do mundo livre. Tchilov e a moça se apaixonam e por aí vai a história.
Agora, pensando nisso, eu vejo que sempre tive a minha janela mágica, me levando para outros mundos.
Aqui, nesta sala sem janelas, só me resta uma. Esta, que me faz uma cidadã do mundo, agora não como espectadora, mas como participante dessa rede imensa, que me permite falar, ao mesmo tempo, com um amigo na Índia e com os Anjos no Brasil, com uma chinesa de Taiwan, que me encontrou no ICQ, e com um aluno que está duas salas depois da minha. Net, a minha janela para o mundo!
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