PROCURANDO FANTASMA
José Luís Nóbrega

No meio do sono, um sonho inesperado. Sonhava que um fantasma o procurava por dias e noites, fazendo de seus dias, noites infindáveis. Na escuridão, passou a procurar nos lugares mais inóspitos do mundo, a alma penada que o afligia...

Procurou por debaixo da escrivaninha do escritório. Ali, não se encontrava o fantasma procurado. Procurar na sala seria procurar agulhas no palheiro. Naquela sala-cemitério, já havia fantasmas de mais (cantavam naquele ambiente Elis Regina, Renato Russo, Tom Jobim, Elvis Presley...). No banheiro, seria procurar um ser sentado e pensativo, à espera do nada... Onde mais residiria um fantasma? Na cozinha? Estaria um fantasma fazendo bolos de chocolate, ou bolinhos de chuva? Estaria um fantasma na cozinha procurando na saciedade culinária a "insanidade" das relações humanas? Não, fantasmas não eram criados nestes ambientes! Mas em lugares nunca dantes visitados (tampouco navegados).

Passou então a procurar aquela assombração em lugares sem qualquer importância, e sem utilidade. Não havia visitado o corredor externo da casa. Um lugar repleto de teias de aranha que nunca, nunca fora anteriormente pisado. 

Havia ainda um lugar romântico, descrito em contos de traições acaloradas: debaixo da cama. Naquele pacato lugar, não haveria possibilidade de se criar um ser tão malvado! Um lugar abafado onde só amantes fugitivos poderiam quedar-se imóveis, ouvindo tão somente a própria respiração.

Sem mais estar afoito pela procura, balbuciou palavras em frente ao espelho. O espelho nada lhe respondeu. 

Gritou por debaixo da escrivaninha do escritório: o fantasma mudo fez-se de camaleão.

Em prantos, chamou pelo fantasma no banheiro: ele, sem fitar-lhe a face no espelho, respondeu que a verdade viria com um belo banho d'alma. 

Soluçou na cozinha: ali poderia soluçar as mágoas. Seria pouco provável o interesse de um fantasma pela fome insana e irracional dos homens.

No corredor externo da casa o fantasma replicou que teias por teias, os emaranhados da uma vida já seriam suficientes.

Debaixo da cama, uma voz rouca, muito familiar repetia incessantemente: "Não se esconda aqui. Não tenha medo de estar presente no mundo".

Em frente ao espelho, já com o espírito menos fantasmagórico, o verdadeiro fantasma se fez presente. Assustou-se, ao ver-se ali refletido, balbuciando palavras por debaixo da escrivaninha; procurando a sanidade das relações humanas na cozinha; tentando se desvencilhar das teias de aranha que nos prendem à vida, e por estar se escondendo... debaixo da cama.

Havia acordado de um sonho, e descoberto o verdadeiro ser que nos assombra: nós mesmos....

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