AO GOSTO DO CLIENTE
Reinaldo de Morais Filho

Meu retrato depende do gosto do freguês, da cor da sua sala, do estilo dos sofás, do tapete que lhe serve de soleira à porta da casa.

Posso ser o amigo fiel, o amante que dorme na cama da esposa alheia; posso ser o namorado romântico, ou o homem que marca com sinal de vaca as mulheres que se deixam ser.

Meu retrato é camaleão. Sirvo ao cliente, agrado a todos para satisfazer a mim mesmo.

É ser admirado pela transigência, enquanto me detestam pela falsidade - como se, no fundo, não fosse falso qualquer diálogo que termina em acordo.

Já fui covarde e corajoso. Chorei o fim do namoro, sorri no bar da esquina. Danço conforme a miséria. Enriqueci junto dos pobres e tornei-me humilde dentre os milionários.

Se me permitisse ser modelo duma gravura de Rembrant, não sei se ele seria capaz de tornar seus traços (técnica perfeita em água-mole e ponta-seca) mais do que rabiscos infantis.

Já fui infantil - brincando com os filhos; e fui um sério rapaz tratando com os pais. Em um mesmo dia fui sóbrio e fui ébrio - como poderia, com arte, ser ébrio logo tornado sóbrio.

O mundo fede e me faz porco. O mundo é lindo e me torna simpático. Existe um dia em um lado da minha face; e uma sombra, que oculta o outro eu. O mundo dúplice me interpreta como dois.

Eu sou apenas um réptil, que largando os peixes na água fria, vai cheirar a areia quente que me esquenta o sangue.

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