TRÊS POR QUATRO
Luís Valise

 
 
Deslizou pela penumbra da semi-consciência até chegar num canto escuro, onde acordou e se deixou ficar, olhos fechados, recuperando momentos do sonho ou da noite anterior. Pedaços da última noite foram-se encaixando no painel negro. A garota era linda, e como todas, tinha ido embora antes que ele acordasse. A mão tateou o lençol até encontrar a goma grossa de esperma ressequido. Sorriu satisfeito. 

O fígado machucado pelo álcool se vingava contra a gilete que ceifava a barba, mas antes um fígado rebelde a um cérebro domesticado pela maconha. Cocaína nem pensar, deixava-o com ar de falsa felicidade, como sorriso de bailarina de programa de auditório. Um pouco de dor de cabeça, queimação na boca do estômago, enfim o de sempre. O importante é que à noite estaria novamente disposto, os bares continuariam cheios de candidatas à “Bunda do Ano” e certamente ele não dormiria sozinho.

A idéia do anúncio na revista surgira de repente e ele não pensara duas vezes: - Por que não variar de tática? O título em letras grandes chamara sua atenção: PROCURA-SE. Na linha de baixo a isca brilhava em letras vermelhas: Corações Solitários. Não que ele fosse um solitário, saía todas as noites com mulheres diferentes, uma mais gostosa que a outra. Gostava de alisar o lençol engomado pelas manhãs... Fosse como fosse, ele mandara publicar: “MORENO alto, másculo, olhos negros, situação financeira definida, gosto de viajar, aprecio literatura e boa música. PROCURO garota com os mesmos gostos, alta, tipo manequim, boa educação, para dividir prazeres sem compromisso. Escrever para Rodrigo, a/c da revista.” Já passara diversas vezes pela editora, mas ninguém respondia ao anúncio. 

Depois do almoço a preguiça era natural, o almoxarifado era abafado, e o chefe chamou-o no meio de um bocejo:

- Nepomuceno, telefone! Ele foi até o aparelho sobre o balcão, Alô? Uma voz feminina disse que era da seção “Corações Solitários”, e que chegara uma carta para ele. Agradeceu pela atenção e desligou. Ele continuou por alguns instantes segurando o fone, enquanto uma espécie de pavor tomava conta do seu corpo. Uma carta! E agora?

A semana se arrastou por dias intermináveis até o sábado, quando ele foi à editora. Identificou-se na portaria, e logo alguém lhe trouxe um envelope. De volta para casa sentou-se na beira da cama, viu o nome Rodrigo escrito em letra arredondada, rasgou cuidadosamente um dos lados do envelope, de onde saiu um leve perfume adocicado. A mesma letra arredondada começava assim: MORENA natural, romântica e sincera. Gosto de ler e ouvir música. Meu sonho é encontrar alguém para dividir momentos felizes. Disponibilidade para viajar. Escrever para Christiane a/c da revista. PS: não sou muito alta, mas posso ser manequim.

Muitas cartas depois, ele já sabia que ela não era mulher de “dividir prazeres sem compromisso”, e ela sabia que teria que dividir não só “momentos felizes”. No primeiro encontro ele ficou de tocaia, escondido até que ela aparecesse com a roupa na cor combinada. Ela era mesmo morena natural, baixinha e cheínha. Quando ele saiu do esconderijo ela ficou olhando-o aproximar-se, pardo, altura mediana, bigodinho fino, sorriso envergonhado. Ela estendeu a mão primeiro:

- Você é o Rodrigo? Ele quase sussurrou:

- De verdade é Nepomuceno. Você é a Christiane? Ela avermelhou:

- De verdade é Clotilde.

Saíram caminhando lado a lado, e só depois de um bom tempo é que ele pegou sua mão. Acabaram ficando juntos. Deu casamento. Nepomuceno não compra mais revista de mulher pelada. De manhã apalpa o outro lado da cama e gosta de sentir que ela esta ali. Ele ainda não levou-a viajar, e ela não liga, gosta mesmo assim. De vez em quando ele toma umas e outras, e pede a ela que desfile nuazinha pra ele. Ela aceita desde que ele apague a luz. Depois os dois se encontram no escuro, ele moreno, alto, másculo, ela morena, não muito alta, quase manequim...
 
 

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