FAMA POR ACASO
Claudio Alecrim Costa
Entre canapés e vinhos eu estava no centro de um formigueiro humano: óculos austeros, cabelos exóticos, roupas esquisitas e tudo que pode existir numa exposição de pintura. Devia ter nascido naquele momento e naquele pequeno espaço onde meu corpo sofria freqüentes esbarrões. Poderia ter vindo de outro tempo no futuro ou passado, materializado naquele mundo bizarro, como em viagens em máquinas fantásticas do tempo.
Era quase ignorante sobre artes plásticas. Havia entrado por acaso na galeria, atraído pela oferta generosa de bebida e mulheres dos mais variados tipos. Poderíamos dizer que não mantinha qualquer vínculo ou interesse por pintura e que minha insensibilidade se assemelhava a de um poodle de madame. Se interrogado sobre os quadros, que não sabia ao certo estarem de cabeça para baixo ou para cima, poderia latir em resposta.
Minhas conjeturas foram interrompidas por um sujeito com jeito efeminado:
- Meus parabéns!
- Por quê?
- Não seja modesto...
- Desculpe...
- Definitivamente não é você... Deve ser a emoção de uma exposição tão vibrante!
- É legal... Também gostei...
- Modesto mesmo...
O sujeito estranho me abandonou e logo uma mulher com óculos pesados me atacou:
- Quanta inspiração em seus quadros!
- Não são meus quadros...
- Que loucura! Você está certo... Nossa arte não nos pertence!
Estava sendo confundido com o pintor. Mas como? Seria um sósia? Um velho com ar acadêmico tocou meu ombro e veio conversar comigo, me tomando mais uma vez pelo tal artista:
- Bela obra, meu jovem!
- Gentileza sua...
- Explique-me a influência tão forte de Picasso em seu trabalho...
- Picasso?
Sabia algumas coisas sobre o pintor em questão pela fama, mas não o suficiente.
- Sim! O grande Picasso!
- Claro! As cores! Gosto de cores!
- Estranho...
- Por que?
- Meu rapaz, só usa o preto e o branco em suas composições...
- Elas estão sugeridas pela sua ausência...
Não sei onde busquei tais palavras, mas quase tombei o velho impressionado que ficou.
- Perfeito! Perfeito!
- Obrigado...
Desta vez tinha que aproveitar e escapulir. Coloquei o braço sobre o rosto e me esgueirei até quase a porta de saída. Antes de abandonar a fama que não me pertencia descobri o motivo de tamanho engano. Estava diante de um auto-retrato do artista que era a minha cara escarrada e cuspida. Atravessei a porta e, na rua, onde uma fina chuva caia, trombei com uma bela mulher.
- Desculpe, senhor...
- Desculpe-me você, senhorita...
- É você!
- Eu mesmo! Sou o pintor dessa exposição!
- Vai embora?
- Está sufocante lá dentro...Poderíamos caminhar...
- É uma honra para mim...
Ela falou dos impressionistas, de um quadro do Miró chamado "Femme Et Chat" e como o tal de Picasso fazia sucesso com mulheres. Nesse caso seria uma boa influência para mim o grande pintor, pensei enquanto meus olhos retocavam a bela silhueta de minha companhia.
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