PLACEBO
Carlos C. Alberts

Abriu os olhos. A luz entrava forte pelas frestas da veneziana. Devia ser depois das dez, pensou. Quase nenhuma ressaca. Pode aparecer mais tarde. Virou o pescoço e notou que alguém dormia a seu lado. Levantou-se devagar e tentou ver quem era. Cabelo loiro amassado e despenteado. Pescoço bem branco (com algumas marquinhas rosadas). Inclinou-se um pouco mais. Ligia. De novo. Tinha prometido a si mesmo que não dormiria mais com ela. Era até bem legal (e uma gostosa). Mas depois vinha a cobrança. Andar de mãos dadas; sair com os amigos bestas dela; estudar juntos. Um pé no saco. Maldita vodka.

"Mmmm...", fez Ligia. E rolou em sua direção. O colchão colocado no chão do quarto da república. Ao lado, a carteira e a chave do Mad Max (como ele chamava seu Passat TS). Pelo menos não estavam na república dela. Suspirou aliviado. Mesmo assim, ia ser péssimo dispensar a mina. Outra vez. Caralho.

"Gatinho? Já acordou? Nossa, ontem você estava tão tarado. Adorei. Mas acho que vou ter dificuldades para sentar durante uns dias. Vem dar mais uma esculhambada na sua Barbie, vem."

"Ligia, veja bem..." começou ele.

Ao ouvir isso, a garota apoiou-se nos cotovelos, deixou a cabeça cair para trás e fez um som de impaciência, interrompendo-o

"Já sei o que você vai dizer. Que bebeu muito na festa. Que seus amigos lhe dão vodka porque sabem que você faz coisas malucas. Que você não tem controle dos seus atos. E que acabamos juntos porque me aproveito da situação".

Olhando sério para o chão, confirmou balançando a cabeça. Ele só queria que aquilo acabasse logo. Detestava situações constrangedoras, de confronto.

"Pois fique sabendo, Sr. Inocência Imaculada, que você não bebeu quase nada. Depois dos primeiros goles, os meninos lhe deram água. Na garrafa de Smirnoff. Por causa da labirintite. E você não percebeu nada. Pode perguntar para o Jorge Lampa. Depois veio para meu lado com aquele seu olhar de peixe morto. Todo charmoso, pedindo desculpas e coisa e tal. Sua amiga Sandra ficou escandalizada com sua cara de pau e queria me tirar de lá, com pena de mim. E eu, bundona, fiquei. Achei que dessa vez ia ser diferente. Depois, no carro, romântico, ficou falando das estrelas, dos meus olhos e, até, de crianças. Não lembra? Não quer lembrar? E quando você me comeu devagar no sofá da sala? Não lembra também? E terminou o serviço aqui na cama? Pra começar de novo. E de novo. Aquele é você. O homem. Com quem estou falando agora é o bêbado. O crianção."

Em seguida, levantou-se. Começou a vestir-se. Fez "ui", ao sentar-se na ponta da cadeira para calçar a sandália de salto alto. Começou a procurar alguma coisa na cama mas logo desistiu. Saiu do quarto sem olhar para trás. Ele pôde ouvir os saltos tocando o chão enquanto ela andava pela sala, abria a porta e ganhava a rua. Ele sabia que ao atravessar a rua ela já estaria em casa. A república das "bruxas", como era conhecida. Enfeitiçavam você. Ficava em frente à sua.

Depois do banho, um pouco incomodado, foi dar uma esticada na cama. Ao estender os travesseiros, achou a calcinha. Era isso que ela tinha procurado. Ou será que tinha deixado de propósito? Branca, minúscula, de algodão com rendinhas. Aproximou-a do rosto e inspirou. Tudo voltou. As cenas que ela descrevera. O sentimento. O tesão. Tudo vindo daquele aroma maravilhoso. Sorriu. Dobrou a peça de roupa, bem devagar. Guardou-a no bolso da calça. Abotoou a camisa e enfiou os pés nos chinelos. Passou os dedos nos cabelos úmidos, penteando-os para trás. Saiu resoluto para atravessar a rua e falar com Ligia. O homem. O crianção bêbado ficou na imagem do espelho do banheiro.

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.