UMA QUESTÃO DE HÁBITO
Míriam Salles

Atualmente o mundo anda de cabeça para baixo.

Parece que as pessoas perderam a capacidade de selecionar o que é bom do que é ruim. A música, por exemplo. Surge um grupo com bons cantores e músicas agradáveis, cujas letras não dizem nada demais, nem de menos. No entanto, suas músicas estão na boca do povo. Em qualquer lugar há alguém cantarolando. Por outro lado, surge um fulano que canta mal, escreve pior ainda e também está na boca do povo. Aliás, esse faz mais sucesso ainda na mídia. Será por ser tosco? Honestamente, nunca ouvi, nem vi a interpretação da tal música, e nem tenho curiosidade após ter ouvido as descrições.

O que me parece é que nós nos acostumamos a não dar muita importância a estar cercados do que é bonito e agradável e, conseqüentemente, nos habituamos ao que é desagradável.

Desde que meus filhos nasceram, tenho por princípio cercá-los de coisas bonitas. Sempre tentei fazer da minha casa um lugar aconchegante e acolhedor, mas também bonito de se olhar. Sempre mostrei a eles que é importante se fazer bonito para si e para os outros. Ensinei-os a combinar cores, cantar, ver a beleza de um sol, de uma flor do campo e de uma orquídea. Hoje vejo-me às voltas com uma outra questão. Se ensinei sempre a gostar do bonito, onde fica o feio?

Quando casei, morei por dois anos num trailer. Era um super trailer, mas mesmo sendo super continuava a ser um trailer, com toda a falta de espaço que tem qualquer trailer. Felizmente, nosso trailer ficava estacionado num terreno enorme, onde eu fiz uma horta e um terreiro cercado onde criava mais de quarenta galinhas. Vinte eram Legorns, poedeiras brancas, e as demais eram Rhode Island ou New qualquer coisa. Eram chiquérrimas, mas não botavam nem a metade das brancas, que chegavam a botar até dois ovos por dia. Havia mais umas três ou quatro galinhas sem raça definida, assim como o galo que dava conta de pelo menos metade da turma diariamente. Uma das pretas, Gertrudes, conseguiu achar um buraco na cerca e me presenteava com um ovo todas as manhãs. Entrava no trailer, cacarejava, botava e saía.

Mas voltando ao assunto inicial, o terreno era feio. Muito feio. Minha mãe morria de pena de mim ao ver como eu morava. E não adiantava dizer a ela que eu gostava, que estava feliz (o que era só meia verdade). Eu dizia para ela que ali era onde eu olhava para o céu pensando que aquele pedaço de céu era meu. Era feio, mas eu amava. E eu sabia que era feio. O que me traz de volta ao comecinho do meu raciocínio. Será então que esse povo que gosta dessas músicas gosta porque é "nossa"? Nosso ufanismo chegou a tal ponto que não conseguimos mais diferenciar o feio do bonito? Acho que é muito difícil ensinar essa questão aos meninos, porque o que é feio é feio. E essa estória de "quem ama o feio, bonito lhe parece" é só para corujas mesmo.

Isto não é o tema da semana. Quer dizer, é, mas não é pra ser. Porque é feio e nem sendo a coruja-mor do pedaço vou achar bonito. É mais um desabafo sem muita lógica, capicce?

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