FOTOFOBIA
Carlos C. Alberts
Mesmo sendo domingo, acordou cedo. Estava excitado. Depois de quase dois anos, ia tirar um dia de folga sozinho. Em Santos. A família estava em Campinas, na casa da sogra. Tinham ido de trem.
Abriu a janela e uma radiante manhã invadiu seu quarto. Olhando, preocupado, para o céu sem nuvens, perguntou-se se no litoral o tempo estaria assim. Tomou um café rápido. Pegou a valise e, pelo elevador, desceu até a garagem subterrânea. Entrou no DKW (que alguns insistiam em chamar de Belcar Rio) bege e saiu do prédio. Mesmo com os óculos Ray Ban (modelo McArtur), o Sol o cegou momentaneamente quando ganhou a rua.
Com a cara amarrada, olhava para o céu. Como será que vai estar o tempo lá? Passando pelo bairro do Ipiranga, viu algumas nuvens. Já? Às oito da manhã?
Na Anchieta, na altura da fábrica da Willys Overland do Brasil, lembrou de ligar o rádio. Na Eldorado, o Jornal de Notícias estava somente começando.
"... o General Castelo Branco desembarca hoje, ao meio dia, na base aérea de Cumbica. Depois segue de carro até o Palácio dos Bandeirantes para uma audiência com o Governador..."
Quem queria saber de política? A previsão do tempo só no fim do Jornal.
Muda de estação e, na Radio Panamericana, o destaque é goleada do Santos.
"... 3 a 0 no Corinthians. Gols de Pepe e Pelé (dois) ... "
Um sorriso modificou momentaneamente sua face fechada. Mas nem o futebol conseguiu desviar a expectativa com o tempo no litoral. Volta para a Eldorado.
Agora, nas "Notícias Esportivas" mais detalhes sobre o jogo de sábado à tarde.
Falta pouco para a previsão. Mas ao chegar perto da descida da serra o sinal começa a falhar. Além disso, a neblina toma conta da pista. Definitivamente de mau humor, lembra que, às vezes, neblina na serra significa sol em Santos. Mas em outras, não. Tenta aproveitar as "curvas da estrada de Santos" para sentir o carro novo. Mas nem as mil cilindradas num automóvel leve e moderno (tração dianteira) lhe dão o prazer suficiente para esquecer o tempo que o espera junto ao mar.
No fim da serra, antes de Cubatão. Ao passar ao lado das vastas plantações de banana, a neblina rapidamente diminui. Agora, sim. Vai dar pra saber que tempo está fazendo em Santos. Conforme vai percebendo o horizonte, seu semblante ilumina-se. Um largo sorriso. Depois, até, cantarolar ("sem lenço e sem documento").
O tempo está lindo. No pé da Serra do Mar, o clima é abafado. O céu está nublado. Bem nublado. Mas o melhor ainda está por vir. Ao longe, sobre Santos e São Vicente, nuvens bem pesadas. Algumas negras, mesmo. Deve estar chovendo em algum lugar, pensa feliz.
E já antevê visita ao Aquário Municipal. Ao museu do Mar. Ao mercado de Peixes na Ponta da Praia (para comprar camarão). Tomar caipirinha no apartamento enquanto observa a chuva cair. E ainda tinha a Mara. Nova funcionária da repartição, que convencera a se encontrar com ele no escritório do expresso (carros Sinca que traziam, confortável e discretamente, até quatro pessoas ao litoral), perto do apartamento. Na Presidente Wilson. Na divisa entre as duas cidades. Ela não ia poder tomar sol na praia. Que pena (rindo). Teriam que pensar em outro passatempo.
Um domingo de verdade. Sem Silvio Santos (que sua esposa adora). E sem óculos de sol.
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