PROCURA-SE NOVO INQUILINO
Bárbara Helena

 
 

 

Alfredo,
 
Quando te conheci, meu coração era apartamento vazio. Verdade que ainda recém-pintado, sem moradores, apenas visitantes que passavam tempos e iam embora ao sabor das marés da estação. 

Quando botei meus olhos em ti, naquele baile do Enchanted, vestido de Pierrô (mas que ironia, tu que foste sempre Arlequim maquiavélico e banal) meu coração tinha tábua corrida, flores na janela e cortinas de chita. Um coração bem simples, ainda cheirando à tinta.

Quando você me tirou pra dançar aquele samba puladinho, me apertou no forró, me beliscou a bunda sem vergonha, meu coração achou seu dono, seu inquilino principal.

Quando me afastou dos meus amigos, me trancou em casa, me chamou de meu bem com traição, meu coração ficou sombrio, cortinas se cerraram, portas foram trancadas devagar. 

Mas quando você me amava, era sempre festa, parquet paulista, vinho chileno, cortinas de marzipan.

Quando a paixão nos levava pelo rio insensato, nas corredeiras que percorremos juntos, desvairados, meu coração estremecia tanto que perigava ir ao chão. Um terremoto em que suas mãos, seus dedos e outras partes que não ouso sequer lembrar, abriam fendas dentro de mim, rasgando crateras impensáveis preenchidas de mel, Ah, meu amor. 

Mas quando me enganaste a primeira vez, tudo ficou sombrio ali, tudo frio, nenhuma luz entrava pela trancada janela, pela impossível porta.

Tantas traições, tantos sósias sem gôsto, tantas noites sem dormir, tantas manhãs te esperando em vão. Tentando acreditar que existiam duendes, acreditar em tuas mentiras tolas, em tuas desculpas triviais. 

E a bebida, Alfredo? E o Ali Babá, teu cúmplice, a Laurinda tua amante, tão traída por mim, por ti, por nós, por vós, por toda a gramática dos corpos femininos, que Deus é pai e a vingança se come fria. 

Hoje, finalmente, consegui te dar ordem de despejo do meu coração. É irrevogável, judicial, carimbado e definitivo. 

Já tem placa na porta com a inscrição – Procura-se. Novo inquilino, novo dono, nova pintura e cortinas de açafrão . 

Não há tempo para fazer a mala e nada deixaste ali que valesse o esforço.

Só te peço uma coisa, Alfredo, antes de me despedir:

Não esqueça de devolver as chaves, por favor. 

 

 

 
 

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