ONTEM EU DORMI CHORANDO
Fabrícia Valeck

Ontem eu dormi chorando. Sentia uma imensa piedade de mim mesma, uma auto-compaixão que só poderia ser extravasada assim, aos prantos. Cada lágrima que descia sobre meu rosto aliviava as dores e o sofrer que afligia o meu peito.

Tenho pena de mim, das pessoas à minha volta, do mundo. Tenho compaixão pelas pessoas que sofrem com a fome, a ignorância, o tiranismo, com a falta de amor. Sinto-me solidária com aqueles que perderam um amigo, um parente, que perderam a esperança e a vontade de viver. Uma angústia insuportável me invadiu as entranhas, receando o que poderá acontecer amanhã ou depois comigo e com o mundo.

Isso porque sei que não é fácil sobreviver em meio a este caldeirão de loucuras. Os ônibus entram em greve, falta água, o dólar dispara, o governo manipula, a impunidade impera. E tem o trânsito, o ensino decadente, a favela e a dengue. Mas não é só isso.

Sabe o que falta? Amor. Carinho. Música. Cores. Quando foi a última vez que olhamos para o céu admirando a lua cheia e as estrelas? Quando foi a última vez que folheamos um gibi colorindo, sorrimos para o nosso vizinho, tomamos banho de chuva, esquecemos os horários marcados, comemos manga com as mãos? Falta simplicidade nas nossas vidas. Tanto concreto abafou os sentimentos, que não tem mais por onde se manifestar. E viram guerra.

Por isso ontem eu dormi chorando. De medo do que pode acontecer em um futuro próximo, sem água potável, sem músicas de ninar, com um calor insuportável, doenças e insensibilidade.

E chorar me fez bem. Decidi mudar, a partir de agora. Sabe aquela história de ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro? Com exceção do filho, não vou deixar nada pra depois. Vou sorrir com mais freqüência, abraçar mais pessoas, comer melhor, ler mais livros e me preocupar menos com o que não tem sentido. Quero um mundo melhor, homens mais humanos e menos cinza.

Quero olhar nos olhos das pessoas e ver o sol brilhando, e não apenas o silêncio cortante.

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