O PULGUEIRO
Ubirajara Varela

Sentado na cama, olhando para aquela mulher dormir, eu me perguntava de onde viera a coragem, a ousadia, para destruir um casamento de oito anos, tão bem vividos. Era difícil dizer.

Poderia alegar diversos motivos: a sogra, a nossa eterna incompatibilidade política (ela votou no Garotinho, acreditam?), o próprio tempo que desgasta tudo, inclusive a paixão. Ainda assim, seriam motivos menores para por fim a uma próspera união.

E tudo começou por causa de um mísero bilhete anônimo. A princípio, pensei que fosse brincadeira de algum de meus colegas de trabalho, mas, passado algum tempo, percebi que não poderia ser possível, eles não chegariam a tanto.

As mensagens continuaram, dia após dia, parecia coisa de filme policial, pois eram escritas com recortes de revistas, datadas, nunca assinadas.

Sempre que chegava ao trabalho, lá estava o bilhete, sobre a minha mesa. Eu, sem saber o que fazer, tive de suportar calado. Não poderia dividir uma história como essa com ninguém sem passar por ingênuo. 

A tortura durou até o dia em que um telegrama chegou, dizendo onde eu flagraria a minha esposa com o seu amante. Estariam num motel barato do centro da cidade, às quinze e trinta. Somente isso, nenhuma identificação, nenhuma certeza, nada.

Fiquei na dúvida, claro. Deveria ou não acreditar naquela informação. Decidi averiguar: a curiosidade quando toma conta de uma pessoa é poderosa. Também, se fosse mentira, estaria livre daquela situação de uma vez por todas.

Às quinze e trinta eu estava lá, na porta daquele motel barato do centro da cidade. E o que era pior - ironia do destino, descuido ou maldade - era o mesmo motelzinho a que costumávamos freqüentar na época de namoro, ao qual apelidamos carinhosamente de "Pulgueiro do Amor".

Passados trinta minutos de espera, eles chegaram. Os dois juntos, num mesmo carro, nem se preocuparam em disfarçar, aqueles sujos. Estavam seguros, deveria ser um caso antigo. Escolheram o quarto de número 07. Maldade com certeza - era o mesmo quarto que escolhíamos, ela era supersticiosa, sete sempre fora seu número de sorte.

Durante uma semana, chegaram-me telegramas contando a que horas eles se encontrariam. O local era sempre o mesmo, o "Pulgueiro". Todas as vezes eu fui conferir. Cheguei ao meu limite.

Agora, estou eu aqui no nosso quarto, nossa casa, sentado na nossa cama, olhando ela dormir. Parece tão frágil, encolhidinha como um recém-nascido ou um pãozinho embrulhado, sono profundo e despreocupado, como se não tivesse culpa de nada. Eu me pergunto, como teve a coragem, a ousadia de destruir o nosso casamento. Se eu matá-la... Não, não tenho esse direito, mas bem que poderia, só por questão de honra.

O telefone toca. Corro para atender. Ela nem se mexe.

-Alô?

-É você, Moacir?

-Sou eu. Quem está falando?

-Verônica.

-Verônica?

Ela é uma colega de trabalho que tentava me conquistar e nunca conseguira. Morria de ciúmes do meu amor por Tereza.

-É, sou eu mesma.

-O que você quer a essa hora, mulher? Ficou doida? E se a Tereza acorda.

-Não se preocupe, ela não vai nos ouvir.

-Tereza tem um sono leve.

-Moacir, escuta: fui eu.

-Você?

-Sim, meu querido. EU. Eu enviei os bilhetes, os telegramas, tudo, só para abrir os seus olhos. Essa ingrata nunca te mereceu. Você tem de ficar comigo.

-Deixa disso, Verônica, a Tereza pode acordar e ela não vai gostar.

-A Tereza não vai mais acordar.

-Como assim?

-Eu o fiz por você, meu amor. Pílulas. Sei que você não teria coragem, então cuidei de tudo. Dei cabo do amante também. Não se preocupe, eles não sentiram dor.

-Verônica, eu vou te matar.

Mas eu não matei Verônica. Decidi por deixar nas mãos da polícia. Eu estava limpo nessa história. Não tinha o que temer, nada devia. E o que era melhor, minha honra fora lavada. A única coisa que continuou me atormentando foi como Verônica sabia dos encontros secretos de Tereza.

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