GIOVANNA
Raquel Santos
Ela é uma daquelas garotinhas esquisitinhas. Magrelinha, pequena, estrábica e agora seu sorriso tem uma janela enorme que se forma com a falta dos dentes de leite.
Está sempre fazendo arte e é totalmente desatenta aos pedidos de sua professora. Tem dificuldades em aprender e uma pontinha de preguiça para as tarefas escolares. É amiga, carinhosa e sempre divide o que é seu com os outros.
Não havia notado seu brilho, até certo dia quando, desocupada, passeava pelos corredores da escola e reparei na sua meiguice.
Sua voz, seu jeitinho encantador, sua dependência de um colo e de carinho atrairam mais minha atenção. Aproximei-me e já não pude conter o amor que nascia em mim. Era um sentimento recíproco.
Passei a visitá-la quase que todos os dias. Sempre antes de ir dar minhas aulas, passava e lhe dava um beijo e um abraço, para desta forma alegrar meu dia.
Eu não era sua professora e por isso não tinha reclamações de sua conduta e seu rendimento. Apenas tentava dar a ela algo que pediam seus olhos. Em pouco tempo já estávamos amigas e eu também de sua mãe.
Giovanna tem algo especial dentro de si, quase ninguém nota ou entende o motivo da minha preferência pela mais desajeitada entre tantas "garotas gênio" da escola.
Todo professor tem um aluno preferido, embora não admita. Giovanna era a minha, e eu sim admitia.
Ela em toda sua inocência de quatro anos de idade tem as palavras na hora certa e isso transforma pequenas coisas. É preciso olhar com os olhos da alma para perceber.
Nunca me esqueço certo dia em que nada ia bem. Eu já havia acordado mal humorada, atrasada, endividada e acima de tudo mal amada. Tentava segurar as lágrimas, mas não conseguia; tomei um banho frio pra refrescar a cabeça, mas não resolveu. Não tive alternativa, vesti o uniforme e fui trabalhar assim mesmo, com a cara inchada de tanto chorar.
Entrei na escola cabisbaixa e tristonha; evitei olhar e falar com as pessoas. Passei pelo corredor e comecei a procurar meu cartão de ponto. Em seguida, entra Giovanna e passa por mim; dá alguns passos e retorna dizendo: "Tia, abaixa". Eu sem entender, perguntei: "O quê?".Ela repetiu dizendo: "Abaixa que quero te falar uma coisa no ouvido". Foi quando atendi o pedido e abaixei para ouvir tão importante segredo. Ela disse: "Eu te amo".
Assim se passaram três anos. Eu mimando a Giovanna e ela gostando de mim como se fosse sua segunda mãe.
Giovanna me ouvia, me respeitava, e até tinha disposição para estudar na minha aula. Agora sim eu era sua professora. Tinha que ser firme, chamar-lhe a atenção e usufruir certa influência que tinha sobre ela para educá-la. Algumas vezes até sua mãe ou outras professoras recorriam a mim pedindo: "Por favor, converse com a Gigi; você ela atende".
Embora agora só a visse uma vez por semana, pois minha matéria era de enriquecimento curricular, eu acompanhava de perto o desenvolvimento da menina. Estava feliz, ela ia aos poucos superando as dificuldades (agravadas pelo problema de visão) e já estava aprendendo a ler.
Imaginava ela daqui alguns anos lendo tudo, estudando com disposição, escolhendo sua profissão,
enfim, uma mocinha.
Mas, qual não foi minha surpresa ou decepção quando fiquei sabendo por meio de outras pessoas que a mãe tinha pedido transferência de escola.
Eu sabia que era uma escola renomada, grande e com uma excelente infra-estrutura. Mas, ainda assim, eu questionava. O que haveria de tão bom naquela escola que desmerecesse a nossa? Por que me tirar a minha, a nossa Giovanna? Será que ali ela teria o mesmo amor, a mesma atenção? Será que eles veriam seu brilho? Teria ela toda atenção que dávamos?
Mas, além de mim, ninguém na escola parecia ligar muito.
Chorei em silêncio. Um choro de um sentimento de perda, ou de um sentimento novo: Ciúme.
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