O
NOME DA FLOR
Pedro Brasil Jr
Tenho um amigo no astral! Seu nome é Shing e nele, habita uma incrível sabedoria. Fazemos alguns contatos quando é preciso colocar no papel idéias que possam auxiliar quem com elas der de encontro. Nossos contatos acontecem de uma maneira peculiar, muito simples, num momento de respiração profunda, olhando pela janela ou caminhando por aí, principalmente onde os elementos da natureza se fazem presentes.
Com ele aprendi a observar atentamente detalhes que a maioria não percebe. A ouvir a voz dos ventos, a mensagem das nuvens e a sentir o aroma que a chuva extrai da terra.
Já tivemos vários encontros nestas andanças astrais, de onde algumas lições vieram no momento oportuno. Não sei ao certo qual é a linguagem, no entanto, a compreensão é perfeita. Shing nunca me disse sua origem, embora seja, obviamente, oriental. Talvez um monge tibetano...
Mas num desses encontros, bem lembro, me fez navegar num pequeno barco-de-papel em meio à enxurrada. Uma aventura indescritível, de onde a mensagem me fez entender que o melhor é deixar a vida me levar, mesmo com os obstáculos constantes e com todos os perigos comuns a qualquer selva. Tenho saudades do passeio!...
Agora, ao deparar com o tema "ciúme" confesso que pensei muito no assunto. Já senti ciúmes, avassaladores, criados por uma insegurança inexplicável. Já fui vítima de ciúmes doentios que atrasaram minha vida em muitos anos. Ciúmes sentidos, ciúmes vividos... de que serviram? Experiências inúteis posso garantir.
Pois bem; o que dizer a respeito do ciúme? Dizer que não tenho é pura fábula. Afirmar que alguém não tem para comigo já torna a questão mais amena afinal, sentimentos são pérolas escondidas em conchas tão rudes...
Ah! Quer saber? Vou esperar o outro tema. Falar de ciúme me faz questionar sobre tantas passagens, tantas horas perdidas...
Mas Shing me puxou a orelha: "não seria o ciúme o segredo da felicidade?" - Revidei: "pelo contrário; o ciúme é a porta do inferno - vade- retro".
Houve um silêncio. Poderia ser diferente?
Shing me fez o convite e me deixei levar por mais um passeio misterioso...Agora é que vem a parte boa!
Estou num atol confortavelmente sentado entre elevações rochosas. A água do mar chega até aqui vagarosamente e vai aos poucos enchendo pequenos poços. O cristal das águas me transporta para um mundo novo e deixo de pensar em todas as tragédias e problemas que assolam o mundo. Minha vida neste instante é apenas um elo entre o céu e a terra. O atol é pequeno, mas o mar tem por ele um afeto especial. Caramujos, pequenos peixes, anêmonas, polvos, caranguejos e outros seres ocupam suas posições sem esquecerem da defesa da vida. Nos céus, as gaivotas espreitam e a cena, digna de um quadro me leva a pensar somente na maravilha que é viver.
Ora, mas e o ciúme? - Shing aparece no outro lado, caminhando com suas sandálias naquelas águas rasas. Aponta-me um grande poço e quando olho no fundo, descubro uma enorme concha devidamente fechada.
- Pegue a concha! - Ele me pede.
Penso um pouco e coloco os pés dentro do poço. Agacho-me e apanho aquela preciosidade. Para meu espanto, ao sentar, a concha vai se abrindo lentamente e em seu interior, a pérola mais linda reflete os raios do sol transformando-os em arcos multicoloridos. O instante é mágico. Tão repleto de magia que consigo rever antigas cenas da vida. O passado cruza comigo em frações de segundos e me encontro comigo mesmo, bem ali, segurando a concha. Levemente, a mergulho no poço e a deixo lá fundo, no seu devido lugar. Sim! Senti ciúmes só de pensar na possibilidade de que outro alguém um dia venha se apossar da "minha concha", da "minha pérola".
Então Shing sorriu e disse:
- O amor é algo inquieto e nos causa muita dor a partir do instante em que acreditamos deter o direito de posse. A concha, a pérola, o amor...não nos pertencem. A concha poderá ser apanhada e virar um enfeite, um arranjo, a pérola poderá se transformar num belo anel no entanto, o coração e o sentimento estarão continuamente sendo lapidados por suas experiências e dentre elas, o ciúme sempre se fará presente na condição de buril, que poderá lapidar, à medida em que o tempo avançar, nossa visão e nosso conhecimento a respeito das relações humanas e de suas vorazes atitudes de posses, sejam de terras, sejam de tesouros ou de corações que ainda são pedras brutas que transformar-se-ão em delicadas jóias que enfeitarão os sentimentos daqueles que já descobriram que a vida e o amor são apenas uma passagem para que se possa chegar a um possível paraíso.
Uma pequena onda chegou até o poço, a concha ficou desfocada e eu fui me transportando para um imenso jardim. Flores de todos os tipos exalavam perfumes suaves e ao meu lado, umas flores exóticas com tonalidades do vermelho ao lilás me permitiam observar seus filamentos sedosos. Então Shing me disse:
- Ciúme! Este é o nome da flor-de-seda!
E de um rápido aceno meu amigo se foi...pelo menos até nosso próximo encontro, que eu espero, seja em breve.
Agora, eu já estava aqui, diante da folha de papel deixando as palavras fluírem e torcendo, do fundo do coração, para não deitar pérolas a porcos.
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