CONSULTA
Nato Borges
- Boa tarde, doutor?
- Almeida, pode me chamar de doutor Almeida...
- Ah, tá... Pois é, o pessoal lá da repartição me pediu prá procurar o senhor...
- Eu sei, eu sei. Já haviam me avisado. Pode ficar à vontade... seu nome é detetive Arlindo. É isso?
- Não senhor. Meu nome é Arlindo e eu sou investigador.
- Claro, claro...
- Pois é, e eu não entendi bem porque me mandaram aqui. O delegado me pediu prá bater um papo com o senhor, que seria bom conversar um pouco... não entendi bem...
- Pode se sentar. Isso... é, na verdade me pediram prá bater um papo com você, checar se está tudo bem, se você está passando por algum tipo de problema
- Problema? Que tipo de problema?
- Foi o que eu perguntei...
- Bom. Então isso vai ser rápido. Estou bem e não tenho problemas. Foi um prazer...
- Espera, espera. Senta aí... deixa eu te explicar algumas coisas...
- Isso seria bom...
- É verdade que seu delegado pediu que você conversasse comigo. Ele está preocupado com você...
- Preocupado por quê?
- Bom, eu vou direto ao assunto: você foi visto essa semana batendo em uma mulher no Centro da cidade. Disseram inclusive que ela parecia uma prostituta, umas coisas assim. O delegado ficou preocupado e preferiu que você conversasse comigo antes de qualquer coisa...
- Ah, mas é isso??
- É isso. Por quê? É verdade então? Era você mesmo?
- Claro que era eu. E ela não parecia puta não. Ela é puta mesmo!
- Mas você acha normal bater numa mulher no meio da rua???
- Não é muito, mas se o senhor levar em conta que eu sou investigador e que ela é puta, o pessoal não estranha muito não. Além disso, a mulher é minha mesmo. Não tem problema...
- Como assim? Como não tem problema? Não é normal agredir uma mulher...
- Mas ela é puta!
- Pois é, pior ainda. Mas bater? Por que você bateu nela?
- Eu estava chegando e ela tava ali, conversando com um cara...
- E?
- Quebrei ela no meio! O figura sumiu no mundo... nem deu tempo de sobrar prá ele... porque ia...
- Mas ela não pode...
- Claro que não!
- Mas ela não é...
- É. Mas aquilo não era conversa de trabalho. Tanto que ela apanhou quietinha. Nem gemeu. É isso. Culpa. Ela sabia que tava de sacanagem comigo...
- Mas como é que você...
- A gente sabe, doutor. A gente sabe. Tá se vendo que o senhor nunca saiu com uma puta...
- É, não...
- Nem nunca teve uma...
- Não.
- Pois é. Por isso. O senhor não vai entender nunca. Mas pode ficar tranqüilo e dizer pro delegado ficar calminho, que o caso ali foi pessoal...
- Mas e se acontecer de novo?
- De novo? Já aconteceu várias vezes e pros dois lados...
- Como assim?
- Olha, teve uma vez que eu fui atrás dela. Ela tava ocupada. Ali sim, trabalhando. Aí saí ali com uma amiga dela que faz ponto no mesmo lugar. Também muito boa a Alicinha...
- Alicinha?
- É o nome da amiga. A minha é a Fabiane. Pois é, mas a Fabiane soube. Elas são amigas. A Alicinha acabou contando prá ela. Não é que num outro dia ela me deu uma canivetada no cacete...
- Como é???
- É. Não foi com força. Só uma raspada. Ela disse que se eu fizesse de novo, cortava de vez. Mas ficou a cicatriz, quer ver?
- Não, não. Não precisa...
- Pois é doutor, isso é amor... nem reclamei. Ela tinha razão. Cuidei da ferida e pronto...
- Então você é fiel a uma prostituta?
- Que é isso doutor? Tá louco? Aprendi a tomar cuidado. Não saí mais com nenhuma conhecida dela. Ali foi vacilada mesmo...
- E isso é amor?
- Claro, doutor, claro. O senhor devia ter uma puta prá saber como é...
- Como...
- É uma maravilha doutor. Imagine uma mulher que sabe o que fazer, conhece todos os cantinhos. É mulher de endoidecer a gente e ainda ganha lá o dinheiro dela. Elas não ganham mal não... dá até prá gente tirar algum. Quanto é que o senhor ganha aqui?
- Aqui? Ganho bem... o suficiente...
- Pois é, se tivesse sua puta ia ganhar mais, com mais prazer. O senhor quer que eu apresente a Alicinha pro senhor? Ela anda meio a fim de um homem fixo...
- Alicinha? Que é isso Arlindo, eu...
- Só não pode ter ciúmes. Sabendo dividir não falta prá ninguém, e sempre tem uma novidade ou outra que elas aprendem por aí...
- Não, não... de jeito...
- Olha. Tem aqui um cartãozinho com o telefone dela. Seria até bom, porque a Fabiane ficou meio com o pé atrás... acha que a amiga quer me roubar dela...
- Deixa disso Arlindo. Esquece isso. Olha, pode ir. Vou dizer ao delegado que está tudo certo com você. É só você tomar um pouco mais de cuidado, por favor.
- Pode deixar, doutor. Nem sabia que o povo tava de tocaia na minha. Vou me cuidar sim. De qualquer jeito, vou deixar o cartãozinho aqui..
- Não precisa...
- Deixa aí. A gente nunca sabe. Foi um prazer, viu?
- É, foi. Até mais.
- Até mais.
....
- Alô? É Alice que está falando?
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