EU CONFESSO
Mariazinha Cremasco

Tenho uma amiga que falava muito em apego e desapego. Eram intermináveis conversas sobre o mesmo assunto. E hoje estou aqui pensando no que é o ciúme, senão apego. Apego exagerado. No entanto, fico me perguntando por que meu marido não tem ciúmes de mim. Sempre quis que ele tivesse ao menos um pouquinho. Mas eu não posso reclamar. Também nunca senti ciúmes dele. Talvez porque eu saiba que os homens (e as mulheres também) quando querem trair, ninguém segura. Não adianta sofrer, espernear. Pode-se tomar conta de muita coisa, mas não do pensamento. No pensamento ninguém manda. Por isso talvez eu nunca tenha tido ciúmes dele, nem quando namorávamos. Explicação fraquinha essa, heim?

Eu costumava brincar com meu marido: pronta pra sair, arrumadinha, perfumada, desfilava na frente dele, com a desculpa de estar procurando algo. Nada. Nem olhava, nem me via. Rimos muitas vezes por causa disso. Algumas vezes cheguei a dizer:

- Querido, não adianta ficar aí se descabelando, se rasgando, implicando com meu decote ou com o comprimento de minha saia, que é assim que eu vou. E vou mesmo.

Nessas horas ele me olhava e sorria: "só você mesmo". E voltava a ler o jornal, tranqüilo, tranqüilo.

Agora vou confessar uma coisa: ciúmes, ciúmes mesmo, eu tenho dos meus amigos. Chego a ser patética. Será que é insegurança da minha parte? Não que eu me incomode quando uma amiga vai ao cinema com a outra, claro, e nem poderia. Afinal de contas, não podemos estar em todos os lugares. Mas tenho ciúmes dos comentários posteriores, sabe? Aqueles do tipo: "Fomos ao cinema, e foi ótimo. Tomamos um lanche na volta e batemos um longo papo. Fulana é maravilhosa." É isso que eu não agüento. Ah, isso acaba comigo. Me dá um nózinho bem aqui, ó. Sei que é um defeito meu, mas o que posso fazer? Tenho consciência, mas não consigo mudar. E não é bom sentir isso, não.

Não gosto de me sentir excluída de conversas também. Ciúme puro. Não posso nem admito perder nada, uma palavrinha sequer. Resultado: fico por fora de quase tudo. Pareço um periscópio, ou alguém que está assistindo a uma partida de tênis ou pingue-pongue. Não me concentro em assunto algum, tentando ouvir todas as conversas ao mesmo tempo. Sempre com meus amigos, claro.

Sei que essa quase confissão é um perigo para mim. As pessoas vão se dar conta desse meu temperamento. Mas meus amigos de verdade já sabem. Já sabem e compreendem, mesmo porque nessas coisas sou passiva. Fico mal, mas não culpo ninguém. Culpo minha deficiência. Insegurança?

Mas nem todo ciúme faz mal ou incomoda. Por exemplo: me faz um bem danado quando percebo que meus filhos têm (na verdade tinham) ciúmes de mim. Ah, eu me sentia linda quando eles desconfiavam que por trás dos meus óculos escuros eu pudesse estar olhando para alguém. Pra um caminhoneiro, ou um motorista de ônibus. Engraçado que os filhos têm ciúmes de pessoas específicas: feirantes, caminhoneiros, segurança de supermercado e shoppings. Por que será? 

Uma vez, num carrinho de cachorro quente, pedi ao vendedor três dogs, antes de perceber que tinha gente na minha frente. O vendedor, gentil, pediu:

-Aguarde um instantinho, meu amor.

Pra que? Meu filho mais novo, na época com sete ou oito anos, estufou o peito, levantou a mão para o vendedor e disse:

-Hei! Minha mãe é casada, ouviu?

Foi lindo e até hoje me lembro com alegria desse dia. Todos que estavam ali riram muito. Hoje em dia, nenhum dos três sente ciúmes de mim. Foi uma fase da vidinha deles, já passou.

Meu pai costuma cantar uma "moda" de viola, que diz: quem tem amor tem ciúmes, quem tem ciúmes quer bem. E quem não tem também. Tanto um quanto outro.

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.