MATURIDADE
TRAÍDA
Marco Brito
Entrou pela primeira vez num puteiro aos dezoito anos. Atravessou a Praça do Mercado, desceu até o fim a Rua da Fonte e virou à esquerda. Chegou no Pontilhão, bem pertinho da estação de trem.
Ia acompanhado por um verdadeiro batalhão. E era, de fato, como se sentia. Um soldado recruta encarando sua primeira grande batalha. Morrendo de ansiedade, com um frio danado na barriga e um medo horrível de chegar a hora, mas doido pra calar a baioneta e enfiá-la no primeiro que aparecesse à sua frente. Doido estava para entrar no campo de luta fugindo de bala, pulando trincheiras e tornando-se herói. Fica claro qual seria seu adversário e qual seria a baioneta a ser usada...
Era um batalhão de sete jovens soldados, sendo ele, o único a não ter história pra contar.
Chegou à zona. Rua de terra batida, camada de cascalho renovada de quatro em quatro anos, sempre nas vésperas de campanha eleitoral. Casa pintada de um verde clarinho e janelas brancas. Em cada uma delas um vaso de flor.
Entrou no velho sobrado. Salão de piso de cimento liso, pintado de vermelho, papel picotado pelo chão, lâmpadas incandescentes forradas de papéis celofane lilás e rosa.
Assim era o nº 53 da rua das quengas.
Entrou, parou no pórtico e mirou o salão. Olhando em derredor, descobriu a escada que levava aos quartos. A música suave penetrou-lhe na mente e o fez prestar atenção à letra: "... estou com sintoma de saudades, estou pensando em você...". Um perfume adocicado assanhou-lhe as narinas e um tapa entre risos o trouxe à realidade:
- "'Bora moço! Acorda!"
Olhou para o lado e sorriu para o companheiro.
- "Vamos escolher um bom lugar e sentar logo, daqui a pouco isto aqui enche e as meninas já começam a aparecer."
Ficaram por ali sentados. Pediram bebidas e conversavam. Um casal dançava na pequena pista quando, andando em sua direção e no meio de outras duas mulheres, ele a avistou.
Não foi o corpo esguio e bem proporcionado que lhe chamou a atenção. Não foram os seios pequenos que se insinuavam no amplo decote, nem sua dentadura alva que o hipnotizou. Nem mesmo o andar gingado ou o balanço de sua cintura... O que lhe chamara a atenção fôra o olhar. Um olhar que marcava aquele belo rosto de forma quase que sinistra. A beleza escondia-se por trás da tristeza que seus olhos denunciavam.
Levantou-se como um autômato olhando-a fixamente. Naquele instante, tudo ao seu redor deixara de existir. Era como se flutuasse numa outra dimensão onde só eles pudessem ali estar... A música, as pessoas, o ambiente, o próprio espaço tornou-se insignificante demais para permanecer ali.
Seus olhares se encontraram. Os braços fizeram seus corpos se tocarem. A música e a dança só a eles pertenciam. Dançaram por longo tempo. Sua boca junto ao ouvido dela reclamou a urgência que lhe aturdia:
- Quero ir para sua cama, quero ter você!
Subiram os degraus de mãos dadas. Ela abriu a porta do quarto trancando-a após a entrada dele. Ficaram frente a frente e dessa forma se abraçaram e beijaram-se.
O calor do corpo dela queimava-lhe. Pôs-se nu e a despiu enquanto se esfregavam.
Já desnudos, deitam-se e amam-se. Dois corpos se entrelaçam, se exaurem. O soldado eleva sua baioneta e penetrando-a no corpo do adversário faz este gemer e gritar. Os dois se engalfinham, arranham-se, se mordem... A peleja se estende, pois fortes, jovens e sedentos são os amantes, até que, como se não agüentassem mais, se rendem entre espasmos, gemidos e arfados.
- Quero-a para mim, só para mim. Toma da sua roupa e acompanha-me.
A resposta o pega desprevenido tirando-lhe qualquer reação. Atinge-lhe de maneira fria, cortante e letal.
- "Não sou, e não serei, mulher de um homem só ! Sou puta de muitos e isto é o que sou. Muda tua roupa e desce, pois tenho mais o que fazer.".
O soldado cai arrasado. Desce as escadas e atravessa o salão. Deserta dos teus companheiros. Não chora pelo desprezo que lhe foi jogado na cara, chora pela sua incapacidade de dividir, chora pelo ciúme doentio que nasceu rapidamente dentro do seu peito.
O soldado afasta-se arrastando a derrota sem olhar para os lados. Foge do campo de batalha onde fôra mortalmente ferido.
Ao longe, ouve-se tristemente o lamento de uma corneta entoando o toque de recolher...
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