A FLECHA NEGRA
Márcio Benjamin Costa Ribeiro

A mão do homem apertava insistentemente o garfo. Tentava pensar em outra coisa enquanto seu polegar esfregava o corpo do talher. A sua respiração ofegava e ele tinha o olhar insistentemente fixo numa mancha de molho na toalha. A todo custo procurava desviar o olhar da cena tão próxima, mas era impossível. Quanto mais procurava fugir, o ruído parecia avisá-lo, zombar dele. As risadas constantes pegavam-lhe pelos cabelos e exibiam a sua desgraça. Procurou abafar as vozes em sua cabeça tomando um pouco de vinho. Pegou a garrafa meio vazia e derramou na taça. Soltou o garfo. Olhou de relance e o viu amassado. Lembrou-se daquele pretenso paranormal que costumava dobrar talheres na televisão, tentou saber do nome, mas não conseguiu. A voz esganiçada da velha ao seu lado perguntou-lhe algo. Ele apenas concordou com a cabeça e sorriu. Olhou mais uma vez de relance a cena e pensou ter visto um sorriso cúmplice entre eles. Colocou mais vinho na taça e apertou a base com mais força. Pensou em ir ao banheiro, mas não conseguiu levantar-se, suas pernas tremiam. Desta vez riram alto. E ele apertou a taça com mais força. Contudo, a peça frágil não resistiu à força utilizada e quebrou. O barulho acordou-o de seus pensamentos e atraiu, por instantes, a atenção da mesa. Sorriram ainda mais e alguém fez algum comentário sobre o excesso de bebida. O homem levantou-se, ergueu a base trincada do copo e perfurou o pescoço dela. Uma vez. O sangue jorrou na mesa enquanto ela tentava cobrir com as mãos. Ele voltou, subitamente seu interesse à mancha de molho na mesa. Cada vez mais vermelha. Mais vermelha. Lembrou-se que talvez o paranormal fosse russo. Não, polonês. E sorriu. 

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