DEDUÇÕES
PRAGMÁTICAS
Doca Ramos Mello
Praia, praia, praia, arggh! Tinha coisa mais angustiante que praia, por Deus? Sim, porque ficar ali, praticamente desnuda, com todas as suas imperferções à mostra era, para Ana Helena, o desvendar absoluto de seus mistérios mais inconfessáveis... Aquela barriguinha, por exemplo. Criatura maldita! Nem os milhares de abdominais aos quais se submetia com disciplina davam jeito na escalada do abdome que, irreverente, apontava para fora, destruindo totalmente seu visual. Além disso, considerava suas coxas um tanto finas, digamos, com um vão desagradável entre elas, detalhe que só fica bem mesmo em Gisele Bündchen e mais ninguém, sarada injustiça.
Não era somente isso, não. Ela bem sabia - e sentia -, que Lourenço se deixava extasiar com o festival litorâneo de traseiros femininos de fora, ah, se sabia. Agora mesmo, com o rabo do olho e encenando distância da situação, eis que acaba de captar um longo suspiro dele, diante da passagem de uma morena despudorada. Que rebola e ainda faz questão de se abaixar para pegar uma conchinha - expediente torpíssimo! (vai precisar da concha exatamente agora?, só porque ela quer) - de modo que Lourenço ainda lhe dedicou mais uma olhada pormenorizada, Ana Helena não perde um lance, está só anotando a safadeza, deixa estar...
Que faz esse pedaço de seio que não se enquadra no modelo cortininha de seu biquini? Ana Helena bota a mão no seio e o empurra para debaixo do pano. Última moda, padrão Ipanema, azul da cor do mar, bordado, com aplicações de fuxico, o modelito custara os olhos da cara e Lourenço nem sequer elogiou sua produção, ingrato, grosseiro, idiota.
A receita é virar-se de bruços e botar as costas sob o sol, sabe que suas costas são corretas, mas... E quanto ao bumbum? Toda mulher que se preza tem uma celulitezinha no traseiro, é de lei, só quem não tem é a morena despudorada, que volta de seu passeio até a ponta da praia, toda lambuzada de óleo, produzindo um arsenal de idéias na cabeça podre de Lourenço, é isso. E tome respiração funda!
Para que serve a temporada de praia?
Ana Helena se vira e se revira sobre a canga. Não pode se descuidar dos movimentos de Lourenço, o canalha, na praia, se entrega ao esporte de bisbilhotar os corpos das outras moças e compará-los com o dela. E ela deve estar perdendo de virada, branquicela que é, com sua alvura mantida sob as luzes brancas e o ar condicionado naquela redação cheia de gente, todo mundo dando o mesmo duro que ela, ô vida. Com toda certeza, já se teria bronzeado há mais tempo, se tivesse a vida à sua disposição, como parece ter a morena sem-vergonha que vai e volta, vai e volta, vai e volta, passando seu corpo escultural diante dos olhos ávidos de Lourenço. E Lourenço nao desvia a vista, prega o olhar na morena todinha, acompanha-lhe os passos, o balanço, a cadência. Come a garota com os poros todos, é isso. Absorve aquela beleza por completo, fica ali, navegando naquele bronze, passeando naquelas curvas, rolando naquelas coxas, se deliciando, cretino... Tem coisa mais cafajeste que homem se refestelando nos pensamentos, quando uma mulher boazuda passa diante dele?
Quem terá inventado o banho de mar, o bronzeador, o biquini, o homem com uma cerveja na mão a escrutinar todos os corpos femininos que se exibem na praia? Raios! A vida seria muito melhor se as sete saias ainda vigorassem na moda, se o recato levasse as mulheres à beira do mar exclusivamente dentro de rigorosos maiôs de perninhas, isso sim, Marta Rocha era feliz e não sabia. Mulheres peladas mais bem-peladas que as outras, pode?
Lá vem a morena de novo.
E Ana Helena se prepara para mais uma sessão de distrair namorado... Oferece bolacha, pede um sorvete, mostra o navio lá longe, ó, no horizonte, diz que um mosquito mordeu-lhe as costas, pede um guaraná, pergunta se ele já leu o jornal, ali, ó, benhê, tem água de coco, olha o bebezinho mamando, que sol, heim?, veja, um peixe saltou no mar, que calor, ai, quanto borrachudo, que luta! Ano que vem, benzinho, nada de praia, já encheu, óóó, Lourenço, tô te olhando, safado!
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