DO NONO ANDAR,
Ana Luísa Peluso

Ciúme era palavra gasta. A boca já não abria por ele, apesar de sua existência, ali, pulsando entre uma batida de coração e outra; entre um bocejo de sono e uma despedida rápida na porta, ainda outro dia. Se pensasse bem haveria sempre algo para ser feito que expulsaria sua presença se fosse o caso. Mas ele estava ali porque ela queria e também porque era impossível contê-lo. A posse e o zelo iam-se pelos mesmos motivos e por isso doía tanto saber daquele cruzar de olhares cúmplices, que se emoldurou no tempo, no momento flagrado. Ou do tocar rápido e suave das mãos, o mesmo ponto compartilhado, os sorrisos dados de ambos os lados, o brilho nos lábios denunciando a vontade. 

Doía ver o amor fora de si. Era como ver o adeus em carne e osso.

Sabia que tudo se aproximava.

Cedo ou tarde, ele partiria de vez para outro abraço e para ela restaria fitar as noites incólumes de si mesma, apenas.

E mesmo que o ciúme roesse algumas de suas partes vivas (justamente as que diziam daquilo que via nos dois e não encontrava mais em si mesma) era ele que sustinha seu corpo no parapeito da janela do nono andar do prédio onde morava.

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