FICANDO
Alberto Carmo

Sabe o que é ficar uns par de ano sem tocar sequer a cutícula da moça? Nem te conto. Tive que mandar envernizar de novo até a porta do lavabo. Estava tudo roçado, de fazer inveja a qualquer fazendinha da zona leste.

Pois não foi que, depois de anos sem tocar em assuntos voláteis, aquáticos, ela me vem falar em "ficar"? 

Como ficar? O quê que é isso de ficar? - É ficar um dia e depois tudo volta ao normal. - ela repondeu. - Mas como depois tudo fica normal? Eu vou ficar em estado de sítio! - protestei.

Ela sai naquele gingado de fazer minha retina badalar feito cuco, e meus ouvidos entrarem em labirinto ao tentar acompanhar o remelecho: - Tic-Tac! Fi-car! Pra lá - pra cá! Que elegância, meu Padim ciço! Esses vestidos de hoje revelam o irrevelável!

Okay! Eu vou juntar os parágrafos. Então ficar é assim como que a gente nem sabe como e depois foi? - Isso mesmo! - ela respondeu. - E depois todos os bons filhos à casa tornam. 

- Que companhia marítma faz essa excursão? 

- Todas. É questã de pagar em dolar, ou euro, meu caro.

Raciocine comigo, me ajude a desatar o nó da minha cabeça. Eu embarco num transatlântico - passagem paga em dólar do dia. Driblo o enjôo, suborno a camareira, dou gorjeta pro garção e chego imune ao restaurante. Aí, no embalo de quinta-feira à noite, eu vejo ela lá no meio do salão, feito Clementina de Jesus nos áureos dias, e a orquestra tocando: - São dois pra lá, dois pra cá...

E eu tenho que ficar? Ficar como? Só se ficar puto da vida, ficar com a pulga atrás da orelha, ficar a ver navios! Definitivamente, meu negócio não é ficar.

Eu sou do tipo que aprecia os verbos de ligação em todos os níveis. Ser, estar, permanecer. Esse último, o permanecer, eu pago pra ver. Eu quisera permanecer por umas trinta e seis horas em alto mar, ao balanço dos vagalhões. Puta merda, eu gosto de permanecer pacas!

Agora, me explica como é esse negócio de ficar. É coisa de chegar de leve, dar uma tragada sem filtro, ajeitar o piercing, balouçar os brincos e fazer pose de Airton Rodrigues no Almoço com as Estrelas? E você ficar toda Lolita?

Eu vou tentar um script. Você chega, vestida feito viúva-negra, toda colante, lábios rubros, maquiagem estonteante. Aí eu vou me chegando, sapateando feito Fred Astaire ou John Travolta, e chego feito um toureiro ao seu regaço. 

Então você faz ruflar as castanholas e eu sapateio feito minha sogra diante de um camundongo. E, como um Gardel tupiniquim, num tango pra lá de Bagdá, eu te inclino e fazemos um ângulo de quarenta e cinco graus. E tasco um beijo na tua boca todo radiano. E você, com cinco-sétimos da coxa fora da saia, sai girando em ritmos flamengos. E eu fico recolhendo a baba da platéia em taças de champanhe. 

E quando o show termina, eu vou de soslaio até o camarim e o orangotango me barra: - Onde vai, doutor?

- Quero só dar uma palavrinha pra estrela!

- Chegou tarde, ela já se pirulitou!

E eu deixo o recinto cabisbaixo, caindo pelas tabelas. Sento na calçada e me pergunto: - E eu, como é que eu fico?

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