O
DESPERTAR
Umberto Krenak
Acordou. Tudo era treva e silêncio.
Chacoalhou a cabeça: a noite, Maria, o filho, o rio, a barca, os hinos, a estação, o banheiro, o medo, a dor...e mais nada.
O pescoço ainda doía.
Por certo não estava na velha estação: não havia o cantar dos crentes, nem conversas de passageiros.
Fazia frio.
De repente, gritos finos; agudos e prolongados. Pareciam vir de cima.
Arrastou o corpo pesado para detrás de uma pedra.
Novos gritos; agora um coro extraordinário. E um barulho abafado, um ruflar de asas, a ventania.
Encheu os pulmões e também gritou, e gritou, e gritou.
E cada vez que gritava, via.
Mirando o alto, divisou as criaturas negras, de asas membranosas, num passar que não se acabava.
No alto da caverna, ainda outras, pelos pés dependuradas.
Teve medo.
Dirigiu-se para a entrada e procurou por pistas: nada!
Não conseguiu distinguir se era noite ou dia.
Do lado de fora, apenas árvores gigantescas.
O corpo estranho...
O barulho, os guinchos...
Tomado de fúria, girando e girando, gritou em torno de si mesmo.
Exausto, por fim, compreendeu.
Então, de um salto, ergueu-se no ar.
E voou com seus iguais.
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