QUARENTA
E CINCO MINUTOS
Marina_W
Elisa levantou da cama contra a sua vontade.Gostaria de poder estender aquele momento.Tinha sonhado com José e no sonho eles ainda se amavam.
A lua era maior do que o normal e estava inteira e cor de creme. O mar era uma massa escura revolta e alguns pedaços estavam prateados. Ela estava sentada na areia, quase nua, o vestido curto deixando as pernas à mostra e os pés descalços. José se aproximou devagar e sentou ao seu lado, sem dizer nada. Se beijaram em câmera lenta. Roman Polanski chegou cambaleando e sentou ao lado deles. Ficaram os três olhando o mar em silêncio. "Está tudo gravado. Não hay banda", disse o cineasta. A lua desapareceu do céu.
Elisa estremeceu. Se espreguiçou e pensou que, afinal, a realidade ruim era melhor do que a fantasia perfeita. Elisa não gostava de ilusões. Ducha rápida, suco de laranja, chaves do carro, engarrafamento. Seria mais um dia daqueles, com a diferença que estava voltando ao trabalho, depois de quinze dias de férias fajutas. O celular tocou, era um aluno que queria tirar uma dúvida sobre o verbo to drink. Estava com saudades, o professor substituto era monocórdio e no dia anterior ele tinha dormido durante a aula e sonhado com ela. Ela ouvia sem prestar atenção. Perguntou se poderiam almoçar juntos na terça-feira e ela disse que não, que suas úlceras doíam (mentira), que sua mãe ia chegar de viagem (mentira), que talvez fosse encontrar com José (mentira), que andava meio desanimada (verdade). Desligaram sem beijos. A vida voltava ao normal. Aula de inglês no cursinho, flertar com o aluno mais bonito, corrigir provas. De noite, sopa ou salada, filme pela metade, meditação e dormir, na esperança de sonhar de novo com Ele. Sua auto-estima estava zerada, precisava fazer ginástica ou pegar uns trabalhos de tradução. Estava sem planos e isso fazia seus dias parecerem intermináveis e monótonos. No trânsito não xingava, em vez disso dizia um mantra que José tinha ensinado. José, o cético que gostava de mantras. Professor de matemática, quase gênio — o que teria feito ele se interessar por ela? Conheceram-se num e-groups de filosofia e alguns e-mails depois ele misturava Heráclito e amor eterno. No dia que se viram pela primeira vez, entre as palmeiras imperiais do Jardim Botânico, ela usava um vestido branco de alças, sandálias que deixavam seus pés semi-descobertos e um lápis prendendo os cabelos. José achou engraçado Elisa usar um lápis na cabeça no primeiro encontro e se beijaram antes de ouvirem a voz um do outro.
Elisa suspirou. Entendeu porque engarrafamentos não a aborreciam: ela usava o tempo para pensar no namorado. José, o romântico, que mandava livros de Platão com declarações de amor na borda das páginas. Algum dia foi mesmo seu namorado? Ela não sabia responder. As imagens vinham picotadas e desordenadas, como imagens gigantes na tela de cinema, num filme de trás pra frente. As lágrimas que derramaram juntos, as mãos aflitas de José, os beijos no automóvel. Não sabia por que tinham terminado, não sabia por que tinham começado mas sentia falta daquelas mãos ansiosas, apaixonadas e muito brancas, como as mãos de um médico. A música que tocava no rádio era deles, a paisagem que via, do Morro Dois Irmãos, também. José explicando as teorias de Kepler, a lei das áreas, enquanto rabiscava círculos no papel. Meu universo é você, ele dizia.
Elisa sorriu.Os carros começaram a buzinar, o sinal já estava aberto. Ela seguiu, distraída, tentando lembrar se ainda tinha sopa de pacote na despensa ou se precisaria passar numa loja de conveniências. Por sorte, estacionou em frente ao curso de inglês.
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