LOUCO, EU?
Marcel Agarie

Não quero mais viver. Nem morrer. Não sei bem o que eu necessito, apenas desejo abandonar essa vida caótica que todos estão vivendo. Chega de trânsito, palavrões em plena avenida Paulista. Não quero mais me estressar porque o farol ficou vermelho e ficar com medo de ser assaltado, seqüestrado, e me transformar em mais uma vítima da violência nos semáforos. Quero distância da poluição que sai dos escapamentos de ônibus e carros da cidade e dos vírus e bactérias que sobrevoam as nossas cabeças. 

Não quero mais ver a miséria nas ruas, a fome estampada nos olhos das crianças que vivem sujas nas calçadas, longe das escolas, de seus pais. Pessoas analfabetas, pais de famílias sem emprego, crianças trabalhando nos faróis da cidade. Chega de tolerância, agüentar todos os anos os mesmos políticos fazendo os mesmos discursos, as mesmas promessas, para depois serem eleitos e não cumprirem nada do que prometeram, e por muitas vezes, piorar de vez a situação. Aumento de gasolina a cada 2 semanas, reajustes nos valores das contas de energia elétrica, aumento das passagens de ônibus e miseráveis acréscimos em nossos salários. Chega de impunidade aos que infringem a lei, chega de corrupção. Não sei explicar se tenho mais medo da polícia que nos repreende ou dos ladrões que nos roubam. Como poderei explicar para uma criança que um ex-oficial do exército, hoje defende as facções que comandam o tráfico de drogas. A que ponto chegamos e até aonde chegaremos?

Chega de guerra, de destruição, diferença racial e religiosa. Chega de matança, chacinas covardes e atentados terroristas. Exterminem as doenças, epidemias e ataques bacteriológicos. O mundo vive com medo, como se estivesse ao lado de uma bomba prestes a explodir. Qualquer barulho suspeito e todos entram em pânico. Pensam no início da 3ªguerra mundial, sem saber que já vivemos dentro dela. Para falar verdade, devemos estar passando pela 26ª guerra mundial. Estamos nos acabando a cada dia que passa.

Mas uma coisa nisso tudo é certo. O mundo nunca será perfeito. Nunca eliminarei todos os momentos ruins da minha frente, porque o ventilador um dia vai quebrar quando estiver bastante calor, a televisão irá pifar na hora do jogo da seleção (humm, até que não é um mal negócio) e ainda acordarei diversas vezes com aquelas dores nas costas. Porém, nenhum desses fatores deixará no meu coração a revolta, a tristeza e a indignação, assim como os atos de violência que estão acontecendo ultimamente. Só me resta agradecer à Deus por me dar paciência, coragem, sabedoria e a esperança, para nunca deixar de acreditar que algum dia, por mais distante que esteja, os meus filhos, netos e futuros descendentes tenham uma vida tranqüila, desfrutem de um cineminha à noite, tenham um emprego digno e possam construir uma família feliz.

Poderíamos viver em paz em um lugar sem guerras, todos em uma grande sociedade e dividindo os espaços com todos os animais, que mesmo irracionais, são tão racionais quanto nós, e só matam por questões de sobrevivência. É assim que eu imagino um lugar ideal. Um lugar calmo e sereno, ao som de uma boa música, as pessoas queridas por perto e muito chocolate para comer. Mas será que vivendo assim, evoluiríamos tanto? Acho que não. Mas o que adianta progredirmos tanto tecnologicamente e regredirmos nas atitudes de amor, paz e felicidade? Melhor deixa pra lá. 

Realmente, não devo estar melhorando, pois continuo com esses pensamentos utópicos da vida. Em minha mente ainda reina o trauma de tudo que vi e vivi fora daqui. Tenho certeza que um dia tudo isso passará e não precisarei mais me tratar. Poderei sair deste hospício e viver na cidade como uma pessoa normal, controlando todos os meus medos e minhas indignações. Mas, para isso, terei que deixar de acreditar em tudo isso que o mundo considera uma loucura, o meu sonho de vida, para viver em um mundo tão louco quanto eu, considerado normal.

Louco, eu? 


OBS: Este era o texto que eu pretendia participar no Livro Anjos de Prata vol. 3, que infelizmente teve o seu orçamento cortado, pois o dinheiro está "curto". 

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