GREVE
DE FOME
Luciana Franzolin
Nunca mais ouvi falar em greve de fome. Antigamente, vira e mexe alguém se revoltava por algum motivo e a maneira de chamar atenção era fechar a boca, ir definhando, até tomarem providência. Alguns até água rejeitavam e ao invés de falar, costumavam carregar cartazes explicando a razão de tal ato. Pensei muito sobre isso esta semana porque estou passando fome, por livre e espontânea vontade, entenda-se. O meu protesto é contra algumas áreas do meu corpo que insistem em acumular gordurinhas há anos, quase uma década. Não podia mais suportar tal situação.
Não que eu fosse infeliz, pelo contrário, não é frustração, vergonha, nada contra o corpo no conjunto em si. Tenho alguns pontos fortes, mas o problema foi com lugares estratégicos, características genéticas que insistem em durar gerações. Se colocarem as mulheres da minha família de costas, todas são saídas da mesma forma, que afinou a cintura de cima pra baixo com capricho, mas se esqueceu de tirar o excesso da parte, digamos assim, preferida dos brasileiros.
É bonito, concordo, mas se não segurar um pouco as rédeas, multiplica-se assustadoramente de tamanho, quase que da noite para o dia. Minha greve de fome e autêntica, há dias recuso-me a comer qualquer coisa diferente de shake dietético e só volto atrás quando aquela calça jeans entrar de novo, esta é a minha condição.
Pode ser meu olho de fotógrafa, gordo, mas você já percebeu como aumentou o número de gordinhos a sua volta? Eles estão por toda parte, e são felizes. Tendo que resistir a enorme torta de morango com todos os cremes imaginários que ganhei ao fotografar guloseimas de Natal, eu, sofrendo na condição de abstinente, pensei em alguém que naquele exato momento, estava disputando lixo com urubu.
Não sei se a fome me deixou mais sensível ou se é o tempo de Natal, onde a realidade se escancara diante de chesters e perus com abacaxi, citando aqui um Natal básico, de cesta básica. Pode ser também o falatório sobre o governo do novo presidente, pode ser que meu retorno à redação do Jornal despertou meu contato com o mundo. Estou mais próxima de pessoas como o Sebastião e a Aparecida, casal que vive da catança de lixo e que acompanhei na quarta feira de manhã. O pão deles de cada dia quase sempre vem dali, e até poderia ser bem melhor, não fosse o contato dos alimentos com outros detritos. Comida boa, jogada fora.
Só em Bauru, minha amiga Rose Araújo apurou que se desperdiçam 120 toneladas de hortaliças por mês, fora laticínios, carnes, pães que não vão mais para a vitrine, mas ainda estão em perfeitas condições de consumo. Isso equivale ao peso de uns 30 elefantes iguais ao que proibiram de apresentar no circo e todo mundo teimou em proteger. Enquanto flagro o paquiderme que já nasceu em cativeiro e se delicia com melancias frescas, o casal da periferia consome lixo e a professora da creche aproveita até a casca da mesma fruta para fazer doce, suco e molho de macarrão. Estes, quem é que vai proteger? Nada contra lutar pelos direitos dos animais, alguém precisa mesmo fazer isso, mas é urgente alguém se lembrar de gente.
Pra onde vão os iogurtes que vencem amanhã, os queijos? E aquelas abóboras machucadinhas, os tomates que já estão moles, mas perfeitos para um bolonhesa juntando a carne moída que sobrou dos filés? É impossível que tudo seja consumido antes de estragar, isso eu posso garantir, mas não consigo imaginar que essa comida toda vai para a lata de lixo, ou alimenta porcos.
Faço aqui um apelo aos donos dos supermercados, não existe desculpa para tamanho desperdício. Se já fazem a sua parte, desconsiderem o cutucão, mas vocês fazem entregas de graça mesmo, quando passarem por este ou aquele bairro, não custa nada aproveitar a viagem para levar alimentos às entidades, creches. Gerem empregos contratando alguém para selecionar o que amanhã não se pode vender mais, mas que hoje, ainda sacia a fome do nosso futuro.
Restaurantes, lanchonetes e donas de casa também, todo mundo precisa se conscientizar, afinal, o brasileiro está fazendo greve de fome involuntária, vai ver que é por isso que tal ato nem chama mais atenção de ninguém, tamanha a quantidade de gente que passa dias sem comer. E pra quem quer emagrecer, um conselho: coma apenas o suficiente para não desmaiar. Gastar dinheiro com excesso de comida é quase um crime, e depois você vai querer gastar mais ainda com lipoaspiração pra tirar tudo o que comeu a mais. Se não fosse tão absurdo, queria propor aqui uma greve de fome geral, nacional, pra chamar bastante atenção até que todo mundo mesmo tenha direito ao alimento mínimo para sobreviver, e isso é possível, com o lixo produzido no Brasil. Acho que vou criar uma ONG, ou é o shake que está me fazendo delirar?
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