TROCA DE PAPÉIS
Lauro Lima

Não chegava a ser, propriamente, um desejo. Tinha mais jeito de curiosidade. Como seria a vida se pudesse, um único dia apenas, estar no corpo daquele homem, de seus vinte e oito anos, espadaúdo, peito peludo e pernas fortes estendido na areia da praia? Bastava um gênio, desses de histórias das mil e uma noites, fazer "zapt" e trocariam de corpos e de vida. Um singelo prêmio para quem viveu tantos anos sempre nas franjas das grandes conquistas.

De sua cadeira, estrategicamente colocada à sombra para que o forte sol não lhe causasse queimaduras na pele, tão frágil quanto envelhecida, ele podia acompanhar os olhares de cobiça das mulheres, algumas merecedoras, sem nenhum favor, do adjetivo "sensacionais", ou como se dizia no seu tempo, verdadeiras "uvas". Fosse com ele... ah! se fosse com ele. O rapaz, contudo, nem parecia notar ou, se notava, talvez fosse-lhe uma percepção tão comum que já não dava maior importância. 

Os olhares das jovens indo e vindo, passeando na areia, não deixavam dúvidas. Todas, sem exceção, olhavam-no com um interesse tão francamente direto que seus olhos pareciam dizer "se quiser venha, a porta está totalmente aberta". E não eram, apenas, portas abertas para o conhecimento, havia um nítido traço de submissão da fêmea ao macho. Com qualquer uma delas ele poderia ser o macho exigente, dominador e elas estariam submetidas, obedientes a seus caprichos.

Ele, todavia, parecia não querer grandes aproximações. Talvez, pensou o velho, estivesse escolhendo meticulosamente. Quando aparecesse aquela, capaz de preencher todas as suas exigências, aí sim, colocaria em ação todo o seu poder de sedução. Por enquanto contentava-se em cuidar do próprio corpo, expondo-o ao sol. Vez por outra parecia divertir-se e sentir prazer em ser admirado. Levantava-se da esteira, espanava, com as mãos, eventuais grãos de areia aqui e ali, ajeitava os cabelos num gesto estudado, colocava ambas as mãos na cintura, um pouco acima do exíguo shorts de banho, fazendo com que as costas largas formassem um arco, e ficava olhando o mar, como se fora um experiente pescador a avaliar as condições do tempo. Nesse momento o velho podia ver a quase sincronia da movimentação feminina nas proximidades: a que estava de bruços virando-se de lado; a que lia uma revista parando o movimento de mudar de página a meio caminho; a que cuidava do filho pequeno largando-lhe a mão e deixando que pegasse a conchinha na areia, várias vezes negada; a que estava de costas sendo cutucada pela amiga; a casada debruçando-se sobre o ombro do marido, não para fazer-lhe um carinho, mas para que seus olhos pudessem olhar naquela direção sem serem flagrados. Todas atraídas, como indefesos insetos diante da luz; todas embalando-se na momentânea fantasia da fêmea que possui e é possuída.

Ah! Se fosse com ele. Distribuiria sorrisos em profusão, olhando-as, a cada uma, diretamente nos olhos. Pediria àquela morena, de biquíni estreito e conteúdo opulento, o "favor" de passar-lhe bronzeador nas costas. Sentiria as mãos macias e eletrificadas deslizando sobre seus músculos e o quase babar de inveja das outras. Se ofereceria, em seguida, para devolver o favor, provocando calafrios, tanto na morena quanto nas que estivessem apreciando a cena, quando suas mãos fortes lhe tocassem a pele. Depois, talvez, convidasse uma outra para acompanhá-lo num mergulho. Dentro da água os corpos poderiam aproximar-se mais, até o ponto, quem sabe, de um beijo, doce de desejo e salgado de mar.

O rapaz, contudo, continuava impávido diante de tantos e tão evidentes sinais. Mas eis que, repentinamente, seu rosto pareceu iluminar-se ao ver determinado movimento, ao longe, à direita. O velho soube que conheceria, finalmente, a mulher capaz de superar todas aquelas "oferecidas" que o circundavam com ar distraído, olhos atentos e corações enfeitiçados. Olhou na mesma direção, na expectativa de ver surgir a própria vênus, a deusa mais poderosa de todas as mortais. Nada viu de diferente do momento anterior, apenas dois rapazes caminhando.

Os rapazes se aproximaram. Também eram fortes e bem apessoados. Tudo indicava tratarem-se de verdadeiros pilotos de esteiras e aparelhos de academias de ginástica. Seriam necessárias varias horas por dia de exercícios, para obter-se musculatura tão bem definida. O velho não viu, entretanto, mãos estendidas para o cumprimento másculo e pesado, ou o abraço meio de lado, com estalados tapas nas costas. O que viu foi um abraço suave demais, delicado demais, carinhoso demais, íntimo demais. Mãos que ficaram deslizando entre o ombro e braço, na mesma carícia que imaginara para a morena opulenta. 

Não foi só ele quem percebeu a cena. A casada beijou o rosto do marido virando-se noutra direção; a que estava com o filho resolveu levá-lo até a beira da água para lavar-lhe as mãos; a que lia a revista voltou a prestar atenção nas matérias; a que estivera de bruços ajeitou o biquíni girando o corpo para pegar sol do outro lado; as que se cutucaram tornaram a se cutucar, dessa vez com um sorriso cúmplice e uma nítida expressão de desalento nos rostos.

Ao velho restou sorrir e agradecer porque, afinal, nenhum gênio da lâmpada realizou seu desejo. 

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