OS VULTOS
Flora Rodrigues
A noite já caiu há muito sobre a floresta. A lua cheia
banha a floresta com o seu imenso clarão fazendo a noite parecer dia. As corujas lançam o seu estridente
piar de aviso. Uivos de lobos ecoam na noite, parecendo dizer chegou a nossa hora de reinar.
Pirilampos cintilam um pouco por toda a floresta como estrelas caídas no chão. Muito baixinho, de mansinho,
ouve-se o som mavioso de uma cascata que parece cantar.
Devagarinho a lua parece afastar-se.
Lebres espreitam timidamente com o focinho espetado no ar, saltitando alegremente de um lado para o outro.
Cobras arrastam-se sinuosamente para o seu esconderijo.
A floresta vive em harmonia. Reina a vida. Reina a tranqüilidade. O silêncio ergue-se por vezes,
contrastando com as vozes da noite, com a voz da floresta.
As corujas permanecem alerta como guardiãs da noite.
Vultos amando-se na escuridão. Risos que ecoam. Sente-se a felicidade a pairar no ar, sente-se magia
por toda a floresta.
Os vultos brincam felizes, passeiam, banham-se na cascata mas as suas sombras perseguem-nos. Saem da
cascata e as sombras perseguem-nos, escondem-se no meio da floresta, mas as sombras perseguem-nos. Onde
que estejam, o que quer que façam as sombras estão lá, perseguindo-os, observando-os, vigiando-os.
Fogem das sombras sem se aperceberem que fogem deles próprios. Tentam em vão livrar-se das sombras. As
noites repetem-se iguais, com o seu encanto na floresta, sem que os vultos se livrem das sombras. Eis
que surge uma noite que os vultos conseguem finalmente livrar-se das sombras.
Mas que aconteceu à floresta encantada onde antes reinava a vida em harmonia e felicidade?
A lua partiu sem voltar, deixando a escuridão para sempre reinar, os pirilampos deixaram de cintilar. Um
silêncio soturno invadiu a floresta acompanhando a escuridão. Não mais as cobras saíram do
esconderijo, nem as lebres voltaram a espreitar. A voz da floresta nunca mais soou e a cascata não mais
cantou.
Tarde demais, os vultos perceberam que sem as sombras a floresta morria, pois as sombras eram a alma da
floresta. Eram elas, as sombras que tornavam a floresta encantada, que faziam a felicidade reinar no
ar, e eram também as sombras que protegiam a floresta. Sem as sombras todo o encanto da floresta se quebrara.
E os vultos, que lhes acontecera?
Os vultos esses, nunca mais foram felizes, nunca mais se amaram, nem nunca mais no ar os seus risos ecoaram.
Saíram da floresta, vultos peregrinos em busca das sombras que antes desprezaram. Mas as sombras nunca
mais voltaram...
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