ERNEST E JACK
Fernando Borba
Houve um tempo em que Ernest Hemingway estilizou a sua personalidade de homem rude e heróico, caçador, bebedor e conquistador de mulheres, e seus livros refletiam a experiência de vida. Depois de trabalhar como repórter, alistou-se no exército italiano, foi bastante ferido, e escreveu seu grande romance 'Adeus às armas', em que se apaixona no hospital por uma enfermeira e foge com ela. Caçou nas planícies africanas e dessa vivência resultou o fantástico 'As verdes colinas da África'. Esteve na guerra civil espanhola, como correspondente estrangeiro, e criou outra obra magnífica, 'Por quem os sinos dobram'. Finalmente recolheu-se a Cuba, onde escreveu o último livro, 'O velho e o mar'.
Um dia um escritor seu amigo (não há jeito de lembrar-me quem) foi visitá-lo em sua casa nos arredores de Havana. Há muito que não ia lá. Ficaram numa mesinha sob as árvores, bebendo uísque e conversando. Ele notou que após certo tempo Hemingway calou-se, como se estivesse aborrecido. Perguntou o que havia.
'É que você não é tão meu amigo quanto eu pensava que fosse.'
'Mas que bobagem é essa? O que houve?'
'Estamos aqui há horas, e você ainda não perguntou por Jack'.
Era o seu cachorro, que lhe fazia companhia em toda parte, seguia-o nos botecos e até no barco, quando Hemingway saía a pescar. Jack devia estar bem velho, pois acompanhou seu dono nos passeios do veleiro em que foi tramada na imaginação toda a saga de 'The old man and the sea', e ficava dando grandes cochilos embaixo da mesa, enquanto o romance era escrito.
O amigo deu-se conta, envergonhado, da gafe que cometera.
'Puxa, era o que eu ia perguntar... Cadê o velho Jack?'
Algum tempo antes, o velho Jack saíra a passear pelas redondezas, e aconteceu que era o dia primeiro de janeiro de 1959, quando os guerrilheiros de Sierra Maestra desciam para libertar Havana. Toda a ilha estava em luta, com o povo ajudando a Revolução, e perto da casa de Hemingway não era diferente. Grupos de guerrilheiros e civis tentavam desocupar um posto das tropas do ditador Batista e o tiroteio era intenso. Alheio a tudo aquilo, Jack atravessou a escaramuça, recebeu um tiro e morreu.
O escritor (se alguém lembrar o nome, ajude) conta que Hemingway levou-o então para ver o túmulo de Jack, ali mesmo no quintal. Mostrou uma lápide branca onde mandara gravar duas datas e um nome:
JACK HEMINGWAY
E falou, escondendo um soluço:
'Eu amava esse cão como a um filho.'
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