O LIXO
Cristo

Empurra o carrinho, varre, cata o lixo.

O prefeito, a prefeitura, a cidade o pagam para limpar suas ruas.

Suas ruas? Ruas de quem? Do prefeito? Da prefeitura? Não. Da cidade, sim. Mas dele também; ele é quem passa os dias nelas, vive, cuida. Pelo menos é assim que o chefe dos garis o motiva, Não deixa de ter razão.

Pára de pensar e apanha do chão um pacote-de-pipoca amassado.

São sete e meia, o sol começa a esquentar o inverno. Para quem está desde as quatro horas em pé, um alívio. Também aquece a coragem dos mendigos, animando-os a sair debaixo dos trapos e jornais, abandonando lixo sob as marquises.

Os paralelepípedos da rua XV estão sujos da noite anterior, e já começam a receber a carga do dia que inicia.

Seus olhos perseguem a loira de calça agarrada. Passa e vai indo, Dessas eu só tenho o papel da bala jogado no chão. Ali já limpei, não vou voltar; daqui a pouco tem outro, e mais outro.

Invisível no uniforme alaranjado, fosforescente, segue empurrando a lixeira de rodas, perscrutando o chão e as mulheres bonitas que não o vêem, As feias também não me vêem.

Começam a chegar os panfleteiros. Colocam-se em pontos estratégicos — longe das lixeiras —, onde, com o vaivém veloz de suas mãos insistentes, distribuem uma infinidade de papeis que ninguém lê, quando muito amassam, e alguns passos adiante deixam cair no chão. O incomoda ficar perto dessas pessoas, mas é ali que o lixo se concentra. Lixo enfadonho, quase sem variedade: cartomantes, bolsas para estudar computação e ofertas de empréstimos.

Lembra a conversa que teve com um desses:

— Por que fica aí dando papel que ninguém lê?

— Porque me pagam para isso.

— E me pagam para limpar a rua que você suja.

— Eu só entrego papel, eles que sujam.

Na sua escala social, o entregador de panfletos estava abaixo dele, Como sou burro, não ganho nem do panfleteiro que não faz nada de útil.

Queria trabalhar em escritório, aí sim as pessoas o respeitariam. Queria ser office-boy, trabalhar para o velho de terno que arremessou a bola de papel e errou a cesta do lixo, Mas isso nunca vai acontecer, perco para o panfleteiro.

Logo vêm as eleições e uma infinidade de santinhos de rostos afáveis pregando do chão: "vote em mim", E no meio dos santos minha vida vira um inferno. Sorriu da contradição.

Varre, faz um montinho de lixo, o homem apressado chuta espalhando tudo - Ih!, desculpa amigo. - e continua absorto na pressa. Varre, ajunta tudo novamente, e um casalzinho vem rindo. Seios bonitos e um moleque arrogante; ameaça um chute nos papéis, riem, e se vão.

Seus dedos seguram, esmagam o cabo da vassoura. Com ódio, parte um no outro: cabeça e cabo, que fica com uma ponta com a qual espicaça o peito do moleque atrevido enquanto a namorada grita desesperada e o sangue espalha vida ao cinza da rua.

Não, não faz isso. Só sonha; não tem coragem; apenas esconde o rosto atrás do boné idiota, larga a vassoura e empurra o carrinho para um canto. Sem chamar a atenção, chorando, aninha-se dentro da lixeira, Aqui é o meu lugar.

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